Google+ Psicologia Transpessoal e Fenomenologia Existencial: Psicanalise

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Sonhos de Parto e Nascimento

 


Quem já não teve sonhos assim? 

Sonhar que está passando por um buraco ou fresta, de alguma maneira claustrofóbica, sendo a única saída disponível.

Sonhar que se está em um labirinto, ou num ambiente de arquitetura labiríntica, podendo ser sem-saída ou com uma saída quase impossível.

Sonhar que se está girando e caindo numa espécie de espiral, sem controle e com muita angústia.

Pois essas situações e sensações são muito parecidas com aquelas vividas num parto normal ou nascimento biológico, e é bem fácil acessar esse tipo de memória sensorial durante um sonho, que é quando a nossa consciência se abre para muitos aspectos inacessíveis no dia-a-dia.

Stanislav Grof, um psiquiatra tcheco, com 81 anos de idade, morando atualmente nos EUA, estudou por mais de 50 anos experiências psicodélicas e estados modificados de consciência sem drogas, em mais de 200.000 indivíduos desde os anos 1960.

Suas pesquisas clínicas demonstraram que reviver o próprio parto em estados modificados de consciência, inclusive em sonhos, tem um grande potencial de cura e transformação da personalidade.

Segundo a medicina tradicional, o nascimento é um evento inacessível à memória cognitiva, devido à falta de uma estrutura completa de neurônios de memória. 

Porém, diversas teorias psicológicas tais como a psicanálise Winnicotiana, a psicologia infantil de Melanie Klein, assim como estudos das fases do desenvolvimento do comportamento humano, atribuem uma significativa influência de problemas da gestação e do parto, nos comportamentos e nos modos de relação do bebê com o mundo, desde a esquizofrenia até distúrbios agressivos. 

Otto Rank foi o primeiro psiquiatra a citar a influência do "trauma do nascimento" na personalidade. Discípulo de Sigmund Freud, encontrou grandes resistências ao defender suas hipóteses sobre o trauma vivido pelo bebê ao perder a segurança da mãe, no momento do nascimento. 

Stanislav Grof, com suas pesquisas clínicas, nos revela que o trauma do nascimento é marcante em todos nós, não apenas quando saímos de dentro do corpo materno, mas desde a gestação até as fases biológicas do trabalho de parto. 

Ele denominou essas quatro fases do nascimento de Matrizes Perinatais. Matrizes, por serem padrões de experiências físicas e simbólicas, que remetem tanto ao nascimento biológico quanto a um renascimento psicológico do adulto, onde ele renova suas referências existenciais de ser-no-mundo com si mesmo e com os outros. Perinatal, por estar ao redor ou próximo (peri) do nascimento (natal). 

O parto é a nossa chegada inicial e marcante ao mundo. E podemos reviver as sensações de estar nascendo ou morrendo (ansiedade, pânico, tontura) quando estamos prestes a uma mudança existencial significativa (crise da adolescência, casamento, novo emprego, perda de situações conhecidas, etc). O parto é ao mesmo tempo uma experiência de morte e renascimento.

Ao reviver o próprio parto, somos adultos regredindo a uma experiência remota, onde a consciência adulta é capaz de atribuir um significado adulto e maduro a uma situação de vulnerabilidade e insegurança, vivida por um bebê.

Ainda que o nascimento biológico exerça uma influência, devemos ser cautelosos para não reduzir todos os problemas de saúde físicos e psicológicos a problemas de gestação ou dificuldades do parto.

DIREITO DE RESPOSTA - A FENOMENOLOGIA - PROFESSOR NICHAN DICHTCHEKENIAN

DATA: 26 / 08 / 2002 às 17:00 h
Local: Auditório 239 PUC/SP


Como uma breve introdução a este encontro, o primeiro dentro do projeto do PET de promover o debate entre as diferentes propostas em Psicologia, sob o ponto de vista epistemológico,gostaria de começar afirmando que a Fenomenologia, em termos de Epistemologia, se coloca da seguinte forma: qual é a questão com a qual nós vamos viver um aprofundamento e a pretensão de um saber, a partir do qual um método vai ser buscado?

Na Psicologia ligada ao homem, toda proposta epistemológica precisa ser pensada, constituída, discutida a partir do homem ele mesmo.

Nós vamos estudar não só aquilo que aproxima os homens de todos os outros entes com os quais ele convive, mas vamos também procurar a especificidade do homem como ente ele mesmo.

Os parâmetros metodológicos para que nós possamos aprofundar e desenvolver um saber, uma pesquisa a respeito do homem, têm que estar fundados nessa especificidade, que não tem um caráter especial diferenciador enquanto valor, mas como algo que lhe é privativo, que lhe é próprio.

Essa especificidade permite encontrar aquilo que fundamentaria uma Epistemologia que fosse de encontro a esse ente, cujo nome é Humano.

A Fenomenologia aponta para a necessidade de se estar permanentemente voltado para o homem como tal e de a Epistemologia ser uma expressão do contato do pesquisador com o homem.

Sendo assim, a noção de Ciência muda um pouco. Há, nos últimos anos, uma noção de Ciência uniformizada demais. Confunde-se fazer Ciência com um certo número de procedimentos padronizados. A metodologia consagrada e conhecida dentro das ciências se adequa ao homem em muitos aspectos com certeza, mas uma metodologia que diga respeito ao homem ele mesmo pode não coincidir com essa noção de que Ciência seja um conjunto de procedimentos padronizado.

A Fenomenologia propõe que nós pensemos a Ciência em outros moldes, como um procedimento rigoroso e não padronizado, e o rigor diz respeito a uma busca de aproximação entre o procedimento e aquilo que se está pesquisando.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE: Não ficou bem clara para mim a diferença entre rigoroso e padronizado.
Numa reflexão fenomenológica da Epistemologia, devemos repensar o lugar do padronizado no saber. Nós, muitas vezes, nos voltamos para o padronizado como se ele fosse algo a ser ultrapassado. Talvez ele não seja apenas isso. Ele é também aquilo que, em nós, nós habitamos. O padronizado é o confortável.
O rigor que a Fenomenologia pede e propõe, como o modo científico do saber, não consiste no abandono do padronizado, do familiar, do confortável, mas na percepção do sentido fundamental que se anuncia no fenômeno. O rigor, portanto, é o enfrentamento do sentido de ser, a partir e além do familiar.
A EQUIPE DE SÓCIO-HISTÓRICA PERGUNTA:
1-A realidade, para a leitura Sócio-histórica na Psicologia, é socialmente constituída pelos indivíduos que a constroem. Ao mesmo tempo, é uma realidade independente de cada um desses sujeitos,tendo uma materialidade que deve ser necessariamente estudada para a compreensão da subjetividade de cada indivíduo. Como isto se aproxima ou se contrapõe à proposta fenomenológica de estudo da relação entre o homem e a sociedade?
Dentro do olhar fenomenológico, o social é uma dimensão originária e fundante do homem. O social não é uma dimensão posterior à constituição do homem como tal, é o momento originário da constituição do homem como homem. Sob o ponto de vista fenomenológico, a estrutura existencial significativa que expressa essa dimensão fundante e constituinte do homem que nós identificamos como o social é a dimensão do humano enquanto ser com o outro.
Ser com o outro indica primordialmente, uma sensibilidade natural do homem para com o outro que lhe é diferente. Essa sensibilidade coloca o homem, desde o início da sua presença, diante da questão do outro como irredutível a ele mesmo. O outro já lhe é dado como um acontecimento.
Desde o começo de sua presença, porque o outro já lhe é dado como um acontecimento, o homem se encontra frente à questão da relação, que quer dizer impossibilidade de reduzir um termo pelo outro. Por mais que haja movimentos que busquem absorver um termo pelo outro, cada um dos termos se mantém diferenciado do outro.
Então, o social é uma dimensão da existência que é absolutamente inalienável de nós. O social não é da ordem da preocupação ou da despreocupação, do interessante ou do desinteressante. O social está presente em todos os instantes de nossa existência, porque a existência do outro é uma referência permanente até para as minhas questões mais íntimas.
A materialidade da realidade diz respeito à estrutura de valores que orientam e privilegiam os modos de relação, o social, porque relação já quer dizer social. A palavra relação, para a Fenomenologia, só subsiste quando há uma referência clara ao social como tal. Assim, a materialidade estudada permite compreender o modo de ser dos indivíduos.
Além disso, fenomenologicamente, como os indivíduos e grupos articulam os valores sociais herdados e presentes, com suas demandas de relação social? Aí, as referências sociais são: preocupação com os aspectos éticos e de realização de um grupo humano ao qual pertencemos, e que, de algum modo, nos tocam ou nos dizem respeito.
Creio que as referências que a abordagem Sócio-histórica tem como relação a este aspecto, não diferem daquilo que eu compreendo como legítima e fundamental preocupação da Fenomenologia. O social não é algo que eu escolho. É preciso levá-lo em conta como uma dimensão absolutamente essencial na constituição da existência das pessoas, sejam elas grupos ou indivíduos.

2 - O que é essência do indivíduo? De que se constitui e qual o seu caráter de naturalidade ou materialidade?
Essência é a sensibilidade que homem tem para responder, de algum modo, ao que lhe vem ao encontro, do social, do mundo e de si mesmo. A essência do homem é sensibilidade para.
Isto quer dizer que o que caracteriza o homem como tal, não é nada a não ser sensibilidade para. A essência não é conteúdo. O homem não tem conteúdos, ele acolhe, elabora ou rejeita, conteúdos, até faz os outros receberem seus conteúdos, mas o que o caracteriza essencialmente é a sensibilidade para lidar com os conteúdos que lhe vêm ao encontro. Com alguns deles todos nós vamos nos familiarizar, nos identificar, muito mais como um movimento de apaziguamento da nossa angústia do que como uma identificação definitiva, porque todos sabemos que a nossa essência é disponibilidade para.
Mas disponibilidade para o quê? Disponibilidade para ser o espaço onde o sentido de tudo pode se mostrar. O homem é aquele cuja essência é disponibilidade para o sentido de todo o resto poder se mostrar, e é só com o homem como presença que o sentido se mostra.
O homem, portanto, é escravo do sentido do mundo, ele está a serviço disto, que é a única coisa que nos resta fazer de específico.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE: Se o homem está referido ao mundo, como ele pode se reconhecer?
Enquanto o homem vive referido ao mundo apenas no modo de ser da ocupação, ele só se reconhece como aquele que tem esta ou aquela tarefa. Se o estar referido ao mundo diz respeito a algo diferente da ocupação, algo diferente da distração, algo diferente de ter que dar conta do que lhe vem de imediato,se estar referido ao mundo é diferente disto, o homem pode então se reconhecer como aquele que vive a angústia de ter que dar conta de algo que nunca se revela definitivamente.
A noção de essência, durante muito tempo na nossa civilização, foi coincidente com a noção de substância. Mas a palavra essência quer dizer: qual é o modo próprio disto? Porque essência vem de essere, que quer dizer ser, um verbo, e substância é somente um modo substantivo de se compreender essência.
A essência do homem é tal que se mostra de maneira verdadeira e absoluta, mas não definitiva, em cada momento de sua existência. Cada ato meu é absolutamente meu, eu estou aqui sendo eu mesmo na minha essência, no meu modo e na minha presença com vocês.
Isso nos leva à questão do olhar fenomenológico, que é um aprofundamento daquilo que se mostra como se mostra.
Olhar para o profundo é se aprofundar no sentido próprio do que se mostra. O raso não é da coisa, porque ela se mostra como ela é na inteireza dela. É o nosso olhar que pode ser mais razo ou mais profundo. O olhar profundo é compreender o sentido do que se mostra.
Muitas vezes se confunde esse olhar com eu fazer, metodologicamente, uma enumeração do que eu vejo ou cair no relativismo. Eu diria que fazer, por exemplo, uma enumeração da frequência do comportamento é possível e diz respeito ao homem,mas diz respeito à dimensão do homem considerado como um sistema previsível, que o homem é também. Ao fazer contagem de frequência de comportamento, estou alcançando o homem na sua dimensão de entidade determinável.
O homem e´, nesse aspecto, aquele que, em cada instante da sua vida, vive de uma maneira absolutamente real o que lhe é determinado e que de alguma forma tem que lidar com isso.
O que quer dizer ter que lidar com isso? É ultrapassar a determinação? Não necessariamente. Se pensarmos na questão da Psicologia Hospitalar, na morte, na doença, temos que ultrapassar a doença que é uma dimensão nossa? Talvez ultrapassar a determinação seja, muitas vezes, acolher a minha finitude nessa existência.

A EQUIPE DE PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO PERGUNTA:
1 - Pensando na Psicologia Hospitalar e na sua necessidade de se defrontar com a questão do adoecimento humano, como a Fenomenologia considera os aspectos genéticos, hereditários ou biológicos ligados a aspectos existenciais?
Esses aspectos são as dimensões de determinação do homem. Como herdeiros ou cuidadores, nós nos vemos como estranhos para nós, com esses aspectos nos dizendo respeito. Essa estranheza é vivida porque esses aspectos nos trazem pertencimento: "Isto é teu!"
Não há uma maneira mais indubitável de nós dizermos algo a nosso respeito do que a nossa corporeidade. Talvez a expressão corporal seja o testemunho indubitável de uma urgência de sensibilização nossa. Quando caminhamos muito insensíveis ou cegos para conosco mesmos, talvez o contato mais rápido seja a doença, no sentido da corporeidade.
Além disso, na dimensão da doença, a imagem da doença é a morte, com toda a força que uma imagem tem. Muito mais do que uma metáfora, a doença não é como a morte, a doença é a morte. A doença não é uma metáfora da morte, ela é a presença da morte.
Isso é vivido por nós como imagem. E qual é o sentido de vivermos essa imagem com a doença? Qual é o sentido da nossa presença, que com a doença se mostra talvez pela primeira vez e de uma maneira indubitável? É a nossa finitude, finitude de presença e de possibilidades.
Clinicamente, a Fenomenologia não busca estimular, no contexto hospitalar, um movimento de superação da questão da doença. Busca escutar e estimular, no doente, um esforço de compreensão e resolução de sua existência a partir da doença. Essa seria a visão e a contribuição, no contexto clínico, da Fenomenologia. É acolher a doença como algo que me diz respeito, não só porque ela me acometeu, mas porque fala de mim, para mim e, a partir disto, eu vou obter novamente uma oportunidade de me colocar resolutamente em relação à minha pessoa. O que é que eu vim fazer aqui com os outros? Essa é a resolução da existência a partir da doença.
Há outro aspecto importante. A doença é também, neste contexto, uma expressão de sanidade. A doença é a expressão não só do impedimentode eu continuar sendo, mas principalmente um impedimento de eu continuar sendo como sempre fui. Ela não é apenas uma ameaça, talvez seja um convite para eu reconsiderar as direções eu tenho tomado na vida. É uma palavra surda, muda, mas tão intensa que não precisa dizer nada. Ela se torna nós mesmos, é a nossa relação conosco mesmos e faz com que nos voltemos para a nossa relação com a vida.
A doença não vem me propor algo. Eu me transformo nesse impedido. É muito radical, é a nossa palavra definitiva para nós mesmos.
Quando nos tornamos doentes, passa a haver um intercâmbio mais enriquecido entre as nossas possibilidades como homem e aquilo que realizamos na instantaneidade de nossa vida.
2 – Como a abordagem fenomenológica considera o processo de desenvolvimento humano?


Desenvolvimento supõe duas dimensões simultaneamente presentes em nós: a primeira é envolvimento, que é ser de um modo, eu sou deste modo; a outra dimensão é desligamento, viver, experimentar, ser um novo modo de ser.
Desenvolvimento humano é aprofundamento (envolvimento) e ampliação (desligamento) das questões existenciais de cada um. Portanto, para a Fenomenologia, desenvolvimento não quer dizer progresso, desenvolver-se não quer dizer ficar melhor, quer dizer aprofundar-se no modo próprio de ser e conseguir perceber as cruzes e as glórias deste modo de ser.
O outro modo de desenvolvimento humano é amadurecimento e superação de possibilidades existenciais. Com a percepção de que há um movimento de incorporação e transformação no desenvolvimento, o significado de desenvolvimento não pode ser confudido com progresso, melhoria das minhas possibilidades.
A EQUIPE DE PSICANÁLISE PERGUNTA:
1 – Como você descreveria o método ou a escuta daseinalalítica?
A palavra chave para essa questão é preocupação, como forma privilegiada do analista na relação de ser com o outro, o analisando.
Nosso trabalho como analistas é amadurecer em nós um modo de ser como pessoas, que tem como qualidade fundamental poder escutar verdadeiramente o outro e poder, nessa escuta, efetivamente estar com o outro, lembrando que cada um de nós tem as referências fundamentais da existência.
As referências fundamentais da existência são: ser e não ser, angústia e culpabilidade, ser no mundo, temporalidade e historicidade, e transcendência. A Fenomenologia busca iluminar o modo próprio de cada um poder ser e existir como humano, levando em conta essas reflexões.
Angústia quer dizer: sou eu, e somente eu, que vou ter que dar conta de mim mesmo, ninguém mais. Se alguém der conta de mim, o inferno se mostrará na sua expressão máxima.
Culpa ou culpabilidade não é sentimento de culpa. Eu sou aquele que tem que dar conta daquilo que me toca e, se me toca, eu vou responder. Culpabilidade é, portanto, o quanto eu fico em dívida com a minha sensibilidade para com o que se mostra. Culpa, ou culpabilidade, não é ter que dar respostas certas. É o sentimento de não estar dando respostas próprias, de não viver o que é o meu modo de responder.
Temporalidade e historicidade são outras referências. Temporalidade quer dizer o quanto eu consigo estar aqui presente, levando em conta dois aspectos simultaneamente: a finitude e a presença. Eu sou mortal e, portanto, quem eu sou agora é insuperável. Minha presença responde como companheira de minha finitude, conjuga-se com ela. Temporalidade nos remete à existência como ruptura, descontinuidade. Finitude e presença são ecos significativos da natureza instantânea de nossa existência. O instante é o convite irrecusável do meu existir como abertura para o novo e para a não retenção absoluta do já vivido.
Historicidade é a dimensão que revela como eu me aproprio da multiplicidade de instantes a que estou, necessariamente, submetido. É o caminho existencial que eu desenho, cujo o rosto identificável só se mostra no momento da angústia.
Transcendência é o modo como eu vivo de uma maneira significativa este instante que é tã concreto e direto em mim, isto é, que tipo de simbolização efetiva eu vivo dos instantes de agora. Transcendência é conseguir articular o infinito dos significados com os instantes aos quais nós estamos condenados. Nós não saímos nem dos instantes, nem da possibilidade de ultrapassá-los, através da significação. Transcendência é, portanto, um aprofundamento de sentido do vivido na simplicidade do instante.
A escuta daseinanalítica é uma maneira de você estar com o outro em que você escuta esse outro de uma maneira absolutamente verdadeira, voltada para o modo como ele dá conta destas dimensões. Cada um de nós, em cada ato, está dando conta dessas dimensões, está respondendo a elas. Trata-se de acompanhar como a pessoa está acolhendo estas determinações. Ela as aceita ou as rejeita? Ela realiza algum movimento em que a articulação, pertencimento e autonomia estã presentes? Estas são as faces, os modos de articular essas dimensões que nos caracterizam.
Sugiro, como olhar fenomenológico, que prestemos atenção aos simples e medíocres instantes em que somos. Eu nada serei se não pertencer a algo, e nada serei se não viver o eu mesmo. Como lidar com isso? Sendo eu mesmo no interior da familiaridade, eu mesmo no interior do já eternamente dado. Como é isto? Isto não pode ter uma resposta antecipada. É uma questão que vem ao nosso encontroe, na análise, nós vamos acompanhar o movimento de cada um e, ao fazê-lo de uma maneira íntima e próxima, estaremos oferecendo ao analisando a possibilidade dele, assegurado de si a partir do já vivido, poder se lançar, na maior proximidade possível de si mesmo, para um instante original e próprio.
Compreender o homem é compreender cada um como uma expressão absolutamente originall, irrepetível, de ser homem. Essa compreensão é necessária, mas não é suficiente. Além dela, é necessário acompanhar a particularidade histórica, factual da existência de cada um de nós. Porque no interior desta facticidade é que está sendo realizada a existência de cada um.
Na escuta daseinanalítica, não se trata de levar a pessoa a grandes significações gerais a respeito do homem, mas de viver significações no interior da simplicidade e factualidade da sua vida. A compreensão é um movimento absolutamente necessário para o nosso trabalho e é, no interior da existência concreta e simples de cada um, que ela vai poder ter uma repercussão, uma ressonância com consistência.
2 – Há algum tipo de preconnização em relação ao tempo da sessão? Duração relativamente fixa ou variável?
Vou dar uma imagem: "eu amo tanto você que viveria eternamente ao seu lado". Isto é uma imagem, é uma mentira factual, absoluta impossibilidade. O amor não é dissolução de si mesmo, é promoção de si mesmo com o outro.
Se o analista vive um amor pelo seu analisando, e amor quer dizer disponibilidade para, dentro das suas possibilidades, aprofundar-se com o analisando naquilo que ele busca, ele é um companheiro do analisando. Assim, há um tempo: cinquenta minutos, uma hora, uma hora e meia, duas horas, não importa, mas o tempo de encontro está dizendo que a minha disponibilidade é eterna com você enquanto estou com você, enquanto posso estar com você. Porque eu tenho também outras urgências como pessoa e estas urgências minhas têm a sua importância, o que não substitui aquelas que vivo com você. Eu amo você, com certeza, do modo que é o amor na sua versão mais fundamental: encantamento com aquele jeito de ser. Amar é isso, encantar-se com aquele jeito de ser.
Amar não é só um sentimento que me abre para o absolutamente original do outro, mas faz o outro descobrir o divino que ele é. Quem ama faz o outro perceber algo que ele nunca tinha percebido nele. É uma doação magnífica. E a nossa relação é mantida, sustentada por esse tipo de presença um para o outro.
A natureza de nossa presença é uma proposta de relação que o outro vai responder como der, puder, quiser. O tempo é uma expressão claríssima da nossa exsitência uns com os outros: tanto o meu amor por você está presente, como este amor não é a única dimensão com a qual eu sou na vida.
E eu diria que esta expressão do amor na relação do trabalho analítico não é uma particularidade restritiva do amar, é o amar na busca de sua maior purificação. Os nossos outros modos de amar uns aos outros é que ainda podem se confundir com necessidades. Não estou dizendo que no amar não há necessidades, mas não se resume a isto. O amar tem a simplicidade da graça,é de graça, amar é promover.
3 – A nosografia desempenharia algum papel na clínica daseinanalítica?
Se todos os homens são modos de ser, há uma possibilidade de estabelecer uma fronteira entre sanidade e doença? Se todos os modos de ser do homem são legítimos, e disto a Fenomenologia não abre mão jamais, como é possível estabelecer uma fronteira entre sanidade e doença? Se todos os homens são modos de ser, a Fenomenologia está considerando a doença como expressão direta da condição existencial. Mais do que distinguir a doença da não-doença, aproxima a doença da exsitência. Doença não é negação da existência, é uma possibilidade da existência.
Não se trata de estabelecer uma nova classificação nosológica. Trata-se de compreender o nosológico.
O único nosológico fundamental de todos nós é a esquizofrenia. O resto são variações. A esquizofrenia é expressão direta da condição humana. Não é negação, é expressão. Compreendemos esquizofrenia como uma luta sem pele, em carne viva, entre ser e não ser.
Isto é uma escolha em nós, viver a esquizofrenia? Com certeza, não. Ela vem ao nosso encontro quando algo que é tão simples e tão fundamental nos falta. O que faltaria a nós e que poderia fundamentar o nosso modo de ser esquizofrênico? Faltaria o outro. Como acontece? Quando aquelas pessoas que lhe dizem respeito em diferentes momentos da vida – podem ser os pais num certo momento, mas não necessariamente o são – estas pessoas não sabem o que fazer com a criança que veio. Têm simultaneamente, no mesmo gesto, rejeição e acolhimento, ódio e amor. O problema do esquizofrênico, que é o nosso problema como homens, não é viver ser o rejeitado. Na vivência esquizofrênica eu cheguei e ninguém efetivamente me percebeu nem me acolheu como eu sou. Não pude ter oportunidade de ocupar um lugar nesse mundo.
Na esquizofrenia eu vivo a angústia carnal de jamais saber quem eu sou e qual é o meu lugar no mundo. Mesmo que seja o dos malditos, eu, sendo maldito, ainda tenho um lugar. Mas a esquizofrenia é a absoluta incerteza. A vivência esquizofrênica é a plena explosão da angústia de ter que ser, sem poder ser. Todos nós vivemos grandes menntiras afetivas na nossa vida, mas a estrutura de história da relação de todos nós aqui não é a esquizofrenogênica, não tem esse modo no qual a ambivalência é o que predomina na relação.
É necessário compreender a esquizofrenia como uma possibilidade dos homens, de todos nós, em relação à qual o que estamos vivendo enquanto doença é, simultaneamente, um chamado às nossas possibilidades e uma limitação da nossa existência, um incômodo de continuar sendo como sou. Por exemplo, o modo obsessivo-compulsivo de ser pode ser considerado um aspecto nosológico? Pode, mas ao mesmo tempo pode ser visto como o único modo que aquela pessoa encontrou de incluir a ordem na absoluta vitalidade da vida. O obsessivo-compulsivo vive, com a maior intensidade possível, a explosão da vida. Por isso ele é tão certinho: se ele relaxar um instante, ele se desorganiza.
O obsessivo-compulsivo é aquele que lida com a questão da organização de um lado, e a explosão de outro, como dois aspectos que ainda não puderam entrar em harmonia. Ele só pode lidar com isso de uma maneira antecipadamente preventiva, para tentar conter a vitalidade da sua existência.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE:
Utilizando a leitura de "O Paciente Psiquiátrico" de Van den Berg: por que a Psicologia Fenomenológica nega a necessidade dos conceitos psicanalíticos, se ela se utiliza deles?

A Fenomenologia não considera os conceitos psicanalíticos como contestáveis. Afirma, aliás: a conceituação psicanalítica é absolutamente fidedigna ao que o homem vive. Não se trata, portanto, de contrapor à conceituação psicanalítica um outro conjunto de conceeitos que abarcaria melhor o que vive o homem. Os conceitos psicanalíticos como transferência, conversão e projeção são expressões, cada um deles, de dimensões existenciais.
A transferência, num olhar fenomenológico, é o modo pelo qual eu vivo a relação ser-com-o-outro. Ele é verdadeira? Com certeza. Chama-se transferência porque é mais uma ocasião de eu viver a minha concretude como pessoa para alguém. Eu quero ser real para alguém, e eu vivo isso no meu modo próprio de ser, que não é aquele ajustado, já confortavelmente instalado nas demandas sociais. São os meus problemas, as minhas faltas, os meus ódios, as minhas raivas, as minhas tristezas e as minhas saudades. Eu vivo o meu modo próprio de ser na especificidade desses sentimentos.
Então, transferência não é uma demanda equivocada, é um "pelo amor de Deus, olhe para mim". Nesse sentido, a transferência é um conceito que nasceu na Psicanálise e que tem a sutileza de perceber a importância, no contexto do trabalho, da relação transferencial. Porque já não se trata mais de um cliente, mas de você, que está aqui comigo como você mesmo.
A resposta do analista para a demanda que o analisando leva até ele não é corresponder como complemento, é compreender a legitimidade da sua demanda. Essa é a articulação que a Fenomenologia e a Psicanálise podem ter: a legitimidade da identificação do conceito e uma compreensão deste conceito como uma modalidade de realização da dimensão existencial.
Assim também a conversão para a corporeidade, para aquilo que se chama de sintoma. O que é isso, sob o ponto de vista fenomenológico-existencial? É a objetivação, no seu sentido mais puro, porque não há nada mais próximo e mais distantede mim do que o meu corpo. Ele fala sendo, ele não dialoga comigo, ele não responde a mim. Quando sou de um modo, ele expressa esse meu poder ser, meu modo de ser, do modo próprio dele.
Conversão diz respeito, para a Fenomenologia, a uma objetivação da nossa existência. O grau de complexidade de uma conversão equivale a eu poder falar com uma montanha. É difícil, eu preciso entrar no espírito da montanha, do corpo, do fígado, das pernas. Não é fazer grandes aprofundamentos, é compreender aquilo que se mostra: estou doente das pernas, não consigo andar. Quero andar e não consigo. O que o andar mostra diretamente? Andar é abandonar. Mas o que é o abandonar, o tchau, o adeus? É o ir, sair da eternidade do lugar e do instante. Para ter um olhar para isso é preciso olhar para o andar no sentido próprio dele.
Isso não é uma interpretação para além daquilo que o andar mostra. Existe uma briga entre Fenomenologia e não-Fenomenologia: "A Fenomenologia não interpreta." "Como não Quando você fala, isso não é uma interpretação?" Eu respondo: não, não é. Se interpretar é substituir uma coisa por outra, não é. Falar que o andar é abandono é falar do andar ele mesmo.
Falta agora a projeção. O que quer dizer a projeção, fenomenologicamente? Projeção é a expressão direta do que é meu e do qual eu ainda não tomei posse, mas que está amadurecendo em mim. Eu me vivo nos outros. É por isso que eu projeto algumas coisas e outras não, vivo a projeção de algumas coisas e de outras não. O amadurecimento de possibilidades minhas ainda não pôde ser vivido em mim como dizendo respeito a mim.
Como analista, eu convido o paciente a perceber em si aquilo que ele aponta em mim, ou aponta nos outros ou nas coisas.
Para terminar, quero indicar a absoluta necessidade de parceria da Fenomenologia com a Psicologia.
A Fenomenologia compreende a Psicologia como uma ciência que precisa ter a existência como permanente referência, sem a qual ela se transforma num mero jogo de curiosidades conceituais.
A Fenomenologia convida a uma articulação aberta, expressa entre a dimensão essencial e a dimensão factual a todo o momento. Ela articula o ôntico e o ontológico, permanentemente presentes.
O ôntico é aquilo que se mostra como se mostra, numa certa forma. O ontológico é o sentido disto que se mostra. O ontológico está aqui, sempre está no ôntico. O ontológico não é uma outra realidade. É o sentido daquilo que se mostra.
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Além da Psicanálise - Stanislav Grof

Além da Psicanálise - Stanislav Grof
O Futuro da Psiquiatria:
Desafios conceituais para a Psiquiatria, Psicologia e Psicoterapia

O trabalho clínico com formas variadas de poderosas psicoterapias experienciais e com substâncias psicodélicas trouxe incontestáveis evidências que a imagem freudiana da psique é extremamente superficial. Pessoas experienciando profunda regressão experiencial com o uso destas novas técnicas rapidamente se movem para além das memórias da infância e alcançam o nível da sua psique que contém os arquivos de memórias traumáticas do nascimento biológico.

Nesse ponto, se encontram com emoções e sensações físicas de extrema intensidade, frequentemente ultrapassando qualquer outra coisa considerada como possibilidade humana. As experiências originadas nesse nível da psique representam uma estranha mistura de um encontro destrutivo com a morte e a luta para nascer.

-- Stanislav Grof, M.D., H. R. Giger and the Soul of the Twentieth Century

Resumo

Pesquisas modernas de estados holotrópicos (um grande sub-grupo de estados incomuns de consciência), como psicoterapia experiencial, trabalho clínico e laboratorial com substâncias psicodélicas, antropologia de campo, tanatologia e terapia com indivíduos passando por crises psico-espirituais ("emergências espirituais"), gerou uma gama de extraordinárias observações que minaram algumas hipóteses muito fundamentais da moderna psiquiatria, psicologia e psicoterapia. Algumas dessas descobertas desafiam seriamente os princípios filosóficos da ciência ocidental, no que diz respeito à relação entre matéria, vida e consciência. Este artigo resume as mais importantes e grandes revisões que teremos de revisar a respeito do nosso entendimento de consciência e de psique humana, na saúde e na doença, para acomodar tais desafios conceituais:

1. Ao contrário da ciência acadêmica, o "programa" da psique humana não se limita à biografia pós-natal e ao inconsciente individual freudiano. A psique humana individual inclui duas importantes dimensões adicionais - o domínio perinatal, estreitamente relacionado ao trauma do nascimento, e o domínio transpessoal, a fonte das experiências que transcendem o ego-corporal - e essencialmente se iguala à toda a existência.

2. As desordens emocionais e psicossomáticas de origem psicogênica não podem ser explicadas adequadamente a partir de eventos pós-natais traumáticos; elas têm importantes raízes perinatais e transpessoais. Por essas razões, uma psicoterapia efetiva precisa incluir estes domínios trans-biográficos, e não pode se limitar ao trabalho do material da vida pós-natal.

3. Além de lidar com o material biográfico, que é de costume nas variadas escolas psicoterápicas do Ocidente, os estados holotrópicos oferecem poderosos mecanismos de cura que estão disponíveis nos níveis perinatal e transpessoal da psique humana, tais como o reviver do nascimento biológico e a experiência de morte e renascimento psico-espiritual, experiências de vidas passadas, sequências arquetípicas, episódios de unidade cósmica, e outros.

4. Estados holotrópicos, espontâneos ou induzidos mobilizam forças curativas intrínsecas ao organismo. Se adequadamente suportadas e apoiadas, podem resultar em cura emocional e psicossomática, tranformação positiva da personalidade e evolução da consciência. Elas oferecem possibilidades terapêuticas radicalmente diferentes e superiores dos esforços convencionais, de racionalmente entender as dinâmicas das desordens, e tratá-las através de intervenções da psicoterapia verbal, que refletem a crenças de variadas escolas de psicoterapia.

5. Espiritualidade na forma genuína é uma legítima e importante dimensão da existência, e é incorreto dispensá-la como um produto da ignorância, superstição, pensamento mágico primitivo ou patologia. Experiências místicas não devem ser vistas como indicação de doenças mentais, mas como manifestações normais e muito desejáveis da psique humana, com extraordinários potenciais de cura e transformação.

6. Muitas das experiências em estados incomuns de consciência desafiam seriamente não apenas as teorias atuais da psiquiatria, mas também suposições filosóficas básicas da ciência ocidental materialista, no que diz respeito à natureza da realidade e a relação entre matéria e consciência. Sob a luz das novas descobertas, a consciência não é um produto de processos neurofisiolóicos do cérebro, mas um aspecto fundamental da existência, mediado pelo cérebro, mas não produzido por ele.

Potenciais curativos e heurísticos das experiências holotrópicas

A fonte das observações exploradas nesse artigo foi um estudo sistemático de longa-duração do que a psiquiatria acadêmica chama estados “alterados” ou “estados incomuns de consciência.” O foco principal dessa pesquisa foram as experiências que representam uma fonte útil de dados sobre a psique humana e as que tem um potencial transformador e evolucionário. Para esse objetivo, o termo “estado incomum de consciência” é genérico demais; pode incluir um grande espectro de condições que não nos interessam ou são irrelevantes nesse ponto.

A consciência pode ser profundamente alterada por uma variedade de processos patológicos – traumas cerebrais, intoxicações por venenos, infecções, ou processos degenerativos e circulatórios no cérebro. Tais condições pode resultar em profundas alterações mentais que seriam incluídas em uma categoria de “estados incomuns de consciência”. Entretanto, eles causam “delíros triviais” ou “psicoses orgânicas”, estados associados a desorientação geral, suas funções intelectuais ficam significativamente danificadas e tipicamente sofrem de amnésia após suas experiências. Essas condilções são muito importantes clinicamente, mas são irrelevantes para nossa discussão.

Esse artigo sintetiza observações enfocando um grande e importante sub-grupo de estados incomuns de consciência, para o qual a psiquiatria contemporânea não tem um termo específico. Cheguei à conclusão que, pelas suas características próprias, merecem serem diferenciadas do resto e colocadas numa categoria especial. Por essa razão, criei o nome holotrópico. Essa combinação literalmente significa “orientado para a totalidade / inteireza” ou “indo em direção à totalidade / inteireza” (do grego holos = totalidade / inteireza e trepein = indo em direção a algo). O sentido completo desse termo e a justificativa para tal uso ficarão claros em breve nesse artigo. O nome sugere que em nosso estado comum de consciência estamos fragmentados e identificados com uma pequena fração do que realmente somos.

Nos estados holotrópicos, a consciência se altera qualitativamente de uma maneira profunda e fundamental, mas não da mesma maneira que as psicoses orgânicas ou delírios triviais. Nosso campo de consciência pode ser invadido por conteúdos de outras dimensões da existência, que podem ser muito intensas e até mesmo avassaladores. Ao mesmo tempo não perdemos contato com a realidade diária. Estados holotrópicos se caracterizam por uma mudança específica na consciência associada à mudanças dramáticas em todas as áreas sensoriais, emoções intensas e incomuns, profundas alterações nos processos de pensamento. São também acompanhadas de uma variedade de manifestações psicossomáticas intensas, e formas incomuns de comportamento.

O conteúdo dos estados holotrópicos costuma ser espiritual ou místico. Podemos experienciar sequências de morte e renascimento e um variado espectro de fenômenos transpessoais, como sentimentos de união e identificação com outras pessoas, natureza, universo, e Deus. Podemos desvendar o que parecem ser memórias de outras encarnações, encontros poderosos com figuras arquetípicas, nos comunicarmos com seres desencarnados e visitar numerosas paisagens mitológicas. Nossa consciência pode se separar do nosso corpo e ainda assim reter sua capacidade de perceber o ambiente imediato e locações remotas.
A psiquiatria ocidental está ciente da existência dos estados holotrópicos mas, por causa do seu estreito quadro referencial limitado à biografia pós-natal e ao inconsciente individual freudiano, eles não têm explicações coerentes para eles. Eles vêm tais estados como patológicos produtos do cérebro, sintomas de doença mental severa, psicose. Essa conclusão não se sustenta em descobertas clínicas e é no mínimo, altamente problemática. Ao se referir a tais condições como “psicoses endógenas” pode parecer impressionante para alguém leigo, mas demonstra ignorância profissional no que diz respeito à etiologia de tais condições.

É difícil imaginar como um processo patológico afetando o cérebro poderia produzir um rico e intrincado processo de experiências holotrópicas, envolvendo fenômenos de sequência de morte e renascimento espiritual, encontros com seres arquetípicos, visitas a campos mitológicos, sequencias de vidas passadas de outras culturas, ou visões de discos voadores e sequestros (abduções) por alienígenas. Além disso, um estudo cuidadoso da natureza dessas experiêncis e as informações que elas trazem contradizem diretamente tal intepretação patológica. Uma das funções desse texto é explorar o estado ontológico das experiências holotrópicas e demonstrar que são fenômenos sui generis – manifestações normais da psique humana com um enorme potencial de heurístico e de cura.

Culturas antigas e aborígenes passaram muito tempo e usaram muita energia desenvolvendo técnicas poderosas de alteração da mente que induzem estados holotrópicos. Essas “tecnologias do sagrado” agregam de várias maneiras canto, respiração, tambores, dança rítmica, isolamento social e sensorial, dor física extrema, e outros elementos (Eliade 1964, Campbell 1984). Muitas culturas usaram plantas contendo alcalóides psicodélicos (Stafford 1977, Schultes e Hofman 1979).
ltes and Hofmann 1979).
Famosos exemplos dessas plantas são variedades de maconha, cogumelos “mágicos”, o cacto mexicano peyote, pós caribenhos e sul-ammericanos, planta africana eboga, e Banisteriopsis caapi da selva amazônica, fonte do yagé ou ayahuasca. Secreções da pele de alguns animais e a carne do peixe do pacífico Kyphosus fuscus.

Facilitadores adicionais de experiências holotrópicas são variadas formas de prática espiritual envolvendo exercícios de meditação, concentração, respiração e movimentos usados em diferentes sistemas de yoga, Vipassana ou Zen Budista, Vajrayana Tibetana, Taoismo, misticismo cristão, sufismo, ou cabala. Outras técnicas usadas em mistérios antigos de morte e renascimento, como iniciações do templo egípcio de Isis e Osiris e o Grego Bacchanalia, ritos de Attis e Adonis, e os mistérios Elêusios. As especificidades dos ritos secretos continuam desconhecidos, mas é possível que preparações psicodélicas tenham tido uma participação importante nesses ritos (Wasson, Hofmann, e Ruck 1978).

Meios modernos de indução de estados holotrópicos de consciência são os princípios ativos de plantas psicodélicas (mescalina, psilocibina, derivados da triptamina, harmalina, ibogaína, cannabinóis, e outros), substâncias sintéticas (LSD, anfetaminas e quetamina) (Shulgin e Shulgin 1991), e formas poderosas de psicoterapia, como hipnose, técnicas neo-reichianas, terapia primal e renascimento. Minha esposa Christina e eu desenvolvemos a respiração holotrópica, um método poderoso de facilitar estados holotrópicos de maneiras muito simples – respiração consciente, música evocatica e trabalho corporal focalizado (Grof 1988).

Existem meios eficientes de alteração de consciência em laboratório. Uma destas é isolamento sensorial, que envolve a redução de estímulos sensoriais básicos. Nessa forma de privação sensorial, ocorre a submersão do corpo em um tanque escuro onde o corpo flutua em água com temperatura corporal (Lilly 1977). Outra técnica conhecida de laboratório de alteração de consciência é o biofeedback, onde o indivíduo é guiado por sinais eletrônicos a estados incomuns de consciência, levando em conta certas frequencias de ondas cerebrais (Green e Green 1978). Podemos citar também as técnicas de sono e privação de sonhos e sonhos lúcidos (LaBerge 1985).

Vale apontar que estados holotrópicos de duração variada podem ocorrer também espontaneamente, sem uma causa aparente, e normalmente contra a vontade da pessoa envolvida. Como a psiquiatria moderna não diferencia os estados místicos e espirituais das doenças mentais, muitas pessoas nesses estados são muitas vezes consideradas psicóticas, são hospitalizadas e recebem tratamento com remédios supressores farmacológicos. Minha esposa e eu vemos esses estados como crises psicoespirituais ou “emegências espirituais”. Acreditamos que quando são adequadamente apoiadas e tratadas, podem resultar em cura emocional e psicossomática, transformação positiva da personalidade e evolução da consciência. (Grof e Grof 1989, 1990).

Culturas antigas e pré-industriais consideravam os estados holotrópicos como de alta importância, praticavam eles regularmente em contextos socialmente regrados, e dispendiam muito tempo e energia desenvolvendo técnicas seguras e eficazes de induzir tais estados. Foram os veículos principais das suas vidas rituais e espirituais, como uma comunicação direta com os domínios arquetípicos de deidades e demônios, forças da natureza, reino animal, e o cosmos. Outros usos envolviam diagnósticos e curas de doenças, desenvolvimento da intuição e percepção extra-sensorial, obtenção de inspiração artística, e com objetivos práticos, como encontrar objetos e pessoas perdidas. De acordo com o antropólogo Victor Turner, o compartilhar em grupo ajuda também na união da tribo e tende a criar um senso de profunda conexão (communitas).

A psiquiatria e psicologia ocidentais não enxergam os estados holotrópicos (exceto os sonhos que não são recorrentes ou assustadores) como potenciais fontes de valiosas informações sobre a psique humana e sobre cura, mas basicamente como fenômenos patológicos. Clínicos tradicionais usam indiscriminadamente nomes patológicos e medicação supressiva sempre que tais estados ocorrem espontaneamente. Michael Harner, antropólogo de boa base acadêmica, que passou por uma iniciação e prática xamânica durante o seu trabalho de campo na selva amazônica, sugere que a psiquiatria ocidental se divide em pelo menos dois significativos modos (Harner 1980).

É etnocêntrica, o que significa que se considera como a única correta e superior forma de ver a psique humana e a realidade, em comparação a todos os outros grupos. Dessa perspectiva, experiências e comportamentos de onde não existe explicação psicanalítica ou comportamentalista, são vistas como doença mental. De acordo com Harner, a psiquiatria ocidental também é “cognocêntrica” (uma palavra mais precisa seria “pragmacêntrica”), indicando que leva em consideração apenas experiências e observações dos estados comuns de consciência. O desinteresse da psiquiatria pelo estados holotrópicos resultou em uma visão de mundo insensível e com tendência a patologizar todas as atividades que não sejam compreendidas no estreito contexto do paradigma materialista monista. A vida ritual e espiritual das culturas antigas e pré-industriais e a história espiritual da humanidade inteira estão incluídas nessas atividades patologizadas.

Se estudarmos sistematicamente as experiências e resultados associados com os estados holotópicos, passamos a ter, inevitavelmente uma revisão radical de nossas idéias mais básicas sobre a consciência e a psique humana, assim como uma nova visão da psiquiatria, psicologia e psicoterapia. As mudanças que teremos de fazer em nossa maneira de pensar se abrem em grandes categorias:

1. Nova compreensão e cartografia da psique humana.
2. A natureza e arquitetura das desordens emocionais e psicossomáticas.
3. Mecanismos terapêuticos e o processo de cura.
4. Estratégias de psicoterapia e auto-exploração.
5. A natureza da realidade.