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Qual Terapia Funciona Para Você?


O que você acha mais fácil? Relaxar o corpo, e descansar depois de um dia carregado com uma boa noite de sono, uma massagem... Ou relaxar a alma, descansar dos mesmos pensamentos de todos os dias, e ter alguma mudança perceptível sobre você mesmo e a sua própria vida? A alma, neste contexto, não tem nenhum significado metafísico. Trata-se de uma dimensão sensível, que compreende o mundo e dá sentido à sua existência. Quando fazemos alguma atividade física que nos permite relaxar durante uma hora, ou até mais, é possível alterar a nossa relação com os pensamentos e emoções, pois existe uma relação direta entre o corpo e a alma. Aquilo que sentimos e pensamos pode afetar nosso corpo e a saúde orgânica. Da mesma forma, atividades físicas como uma caminhada, yoga, ou uma relação sexual podem modificar os estados emocionais em que nos encontramos.


Mas, e quanto ao aspecto emocional e psicológico? Não sei se você já teve a oportunidade de fazer psicoterapia ou alguma outra terapia voltada para os aspectos da personalidade. Talvez você tenha conhecido um psicólogo (ou terapeuta) que pôde ajudar você a compreender os significados e as causas dos seus problemas, pelo menos dos principais que lhe afligiam. Não é preciso tanto: uma pessoa mais experiente dentro do seu círculo de relações (um tio, avó, alguém que você escolheu), que lhe explicavam coisas da vida, e permitiam que você visse tudo com novos olhos!


Tudo depende das experiências que você teve até agora: o autoconhecimento pode ter tido momentos agradáveis, outros razoavelmente difíceis. Se suas mudanças vieram junto com doses de sofrimento e conflitos, isso pode marcar em sua mente um caminho doloroso quando você pensa em transformação pessoal e autoconhecimento. Pare por um momento, e faça uma recapitulação da sua história. Quais acontecimentos lhe marcaram e transformaram a sua vida? Você se sente um protagonista ou um espectador? O que sente pelas pessoas à sua volta, e o que elas sentem por você? Essas perguntas lhe agradam ou incomodam?

Mudar o seu comportamento por conta própria é uma das tarefas mais desafiantes que uma pessoa se propõe a realizar. Quantas vezes já tentou mudar um pensamento ou sentimento incômodo em relação a situações conhecidas? Ou então, desejou se sentir diferente com relação a uma pessoa próxima?


A psicoterapia verbal é um tipo de terapia muito conhecida e valorizada pela ciência. É uma opção, entre muitas outras, mas não serve para todas as pessoas, em todos os momentos de vida. Uma terapia deve atender às necessidades dos pacientes, e não o contrário. É necessário respeitar o jeito que cada pessoa vive o mundo e a si mesma. Porque são as experiências que transformam as pessoas, não apenas uma palavra ou a interpretação de um terapeuta. Essa é uma dentre muitas das razões, pelas quais as pessoas buscam novidades. Elas querem ter experiências que lhes permitam transformar os sentimentos, as crenças e os conceitos a respeito do mundo e delas mesmas.


Partindo deste princípio, as psicoterapias vivenciais são uma modalidade de terapia que, através de recursos diferenciados, além da conversa ou análise, facilita o acesso à nós mesmos. Costumam ter resultados efetivos, que ocorrem em relativamente pouco tempo. Nessas terapias, a conversa se limita ao básico, sem análises ou explicações sobre a experiência. Porque a psicoterapia experiencial tem como foco as experiências, e não as explicações destas. No devido tempo, a compreensão da experiência e os seus efeitos aparecem para a pessoa, sem a necessidade de uma intervenção externa do terapeuta. Você passa por um entrevista inicial, onde são obtidas informações da sua história de vida e saúde física. Antes de iniciar as sessões, são explicados quais são os procedimentos, como por exemplo, deitar, fechar os olhos, respirar desse modo, etc. Se a pessoa quiser, a conversa ajudar a compreender o que foi vivido. Mas não é o único caminho.

Então, existem vários tipos de terapia voltadas para o autoconhecimento, que utilizam ferramentas variadas, além da conversa: respiração consciente, ressignificação de memórias, exercícios e movimentos corporais, terapia através da expressão artística, entre outras. Cabe a você descobrir qual delas funciona melhor para a sua pessoa. Afinal, terapia é sinônimo de sentir-se melhor com você mesmo.

Otto Rank

Citações de Otto Rank

http://www.ottorank.com/home/quotes-by-rank

 

- Diario - Dezembro 1904

"A correta didática da análise é aquela que não difere em nada do tratamento curador. Como, realmente, poderá o futuro analista aprender a técnica se ele não a experimenta exatamente como deve aplicá-la depois?"
Cena da série "Em Terapia" (In Treatment) pela HBO - todos os direitos reservados
- Extraído de uma carta a Jessie Taft, citada em "Denial of Death (A Negação da Morte)", de Ernest Becker
Projeção e Identificação

"Quanto mais rica - ela é, mais variada e completa - a vida emocional de um indivíduo, menos ele tende à projeção, e mais inclinado ele será à identificação. Sua válvula de escape e satisfação vem da identificação de si mesmo com as emoções do outro. Por outro lado, quanto mais estreita e restrita é a vida de um indivíduo, mais intensas serão as suas poucas emoções, menos inclinado a, e menos capaz de, identificar-se - a falta do que ele tem de compensar através da projeção. Projeção, assim prova-se ser um mecanismo de compensação que ajusta uma ausência/falta interna. Identificação, por outro lado, é uma expressão de abundância, do desejo por união, por alianças, por compartilhamento."

Chelsea, time de futebol de Londres da Inglaterra

Na Sociedade Psicanalítica de Viena

(...) Em 1924 Rank publicou "O Trauma do Nascimento", explorando como a arte, mito, religião, filosofia e terapia foram iluminadas pela "ansiedade de separação" na "fase antes do desenvolvimento do Complexo de Édipo" (p.216 - do original). Mas não existia tal fase nas teorias de Freud. O Complexo de Édipo, explicado por Freud exautivamente, era o núcleo da neurose e a fonte original de toda arte, mito, religião, filosofia, terapia - de toda cultura humana e civilização. Foi a primeira vez que alguém do círculo interno se atrevera a sugerir que o Complexo de Édipo pudesse não ser o supremo fator causal na psicanálise. Também foi a primeira vez que alguém no círculo interno se atrevera a sugerir que haveria um complexo "pré-Edipiano" - um termo que não existira até aquele ponto. Rank foi o primeiro a usar o termo "pré-Edipiano" em um fórum público psicanalítico em 1925 (Rank, 1996, p.43 - do original). Na nova edição do Dicionário Oxford Inglês, Rank será creditado como criador desse termo, que se pensava ter sido introduzido por Freud em 1932.
Édipo e a esfinge


Influência

Rollo May, um pioneiro da psicoterapia existencial nos Estados Unidos, foi profundamente influenciado pelas leituras e escritas pós-freudianas de Rank, e sempre considerou Rank o mais importante precursor da terapia existencial. Logo após sua morte, Rollo May escreveu o pósfácio a coleção editada por Robert Kramer dos escritos americanos de Rank. "Sempre achei Otto Rank o grande gênio irreconhecido no círculo de Freud," disse May (Rank, 1996, p.xi - do original).

Rollo May: 1903-1995

Em 1936 Carl Rogers, o psicólogo mais influente nos EUA depois de William James, convidou Otto Rank a fazer uma série de leituras em Nova Yorque sobre os modelos pós-freudianos de terapia experiencial e relacional rankianos. Rogers se transformou com essas leituras e sempre creditou Rank por haver moldado profundamente a terapia "centrada no cliente" e toda a profissão de counselling. "Eu me contaminei com as idéias de Rank," disse Rogers (Rank, 1996, p.263 - do original)
Carl Rogers: 1902-1987
O escritor Paul Goodman, que foi co-fundador com Fritz Perls do método da Gestalt de psicoterapia, um dos mais populares no mundo atualmente, e um que usa o modelo aqui-e-agora de Rank no seu trabalho, descreveu as idéias pós-freudianas de Rank sobre arte e criatividade como "acima dos elogios (beyond praise)" em Gestalt Terapia. (Perls, Goodman and Hefferline, 1951, p.395 do original).
Paul Goodman: 1911-1972
Fritz Perls: 1893- 1970

Em 1974, o sociólogo Ernest Becker ganhou o prêmio Pulitzer por "The Denial of Death"(A Negação da Morte) (1973), que se baseou nos escritos pós-freudianos de Rank, especialmente "Will Therapy"(Terapia da Vontade) (1929-31), "Psychology of the Soul"(Psicologia da Alma) (1930) e "Art and Artist"(Arte e Artista) (1932).

Ernest Becker: 1924-1974

O padre e teólogo americano Mathew Fox, fundador da Creation Spirituality e Wisdom University, considera Rank como um dos mais importantes psicólogos do século 20. Veja, especialmente, o livro dele, Creativity:Where the Divine and the Human Meet (Jeremy P.Tarcher,2002), paperback: ISBN 1-58542-329-7.
Stanislav Grof: 1931

Stanislav Grof, um dos fundadores da psicologia transpessoal, baseou muito do seu trabalho em psicologia pré-natal e perinatal no "Trauma do Nascimento" de Rank.Hoje, Rank pode ser visto como um grande pioneiro nos campos da psicologia humanista, psicoterapia existencial, terapia Gestalt e psicologia transpessoal.


Stanislav Grof - Sobre o trauma do nascimento de Otto Rank
(Fonte: Grof, Stanislav - Além do Cérebro: nascimento, morte e transcendência em psicoterapia, SP: McGraw Hill, 1987 - páginas 127 a 129 - O mundo da psicoterapia)

"Com relação ao trauma do nascimento, Freud foi o primeiro, na psicologia, a chamar a atenção para a possibilidade de que pudesse ser o protótipo e fonte de todas as ansiedades futuras."
"Enquanto Freud enfatizava as extremas dificuldades psicológicas do processo como fonte de ansiedade, Rank relacionava a ansiedade com a separação do útero materno como se fosse a separação de uma situação paradisíaca, de gratificação incondicional e livre de esforços."
"O conflito central do homem consiste no desejo de retornar ao útero e no medo deste desejo. Como resultado, qualquer mudança de uma situação agradável para uma desagradável produzirá sentimentos de ansiedade."
"A teoria de Rank acentua o elemento de separação da mãe e a perda do ventre materno como os aspectos traumáticos essenciais do nascimento. Para ele, o trauma é ser a situação pós-natal bem menos favorável que a pré-natal. Fora do ventre, a criança encara irregularidade de alimentação, ausência da mãe, oscilações de temperatura e altos ruídos. Ela deve respirar, engolir alimento e expelir matéria supérflua."
"O nascimento não é traumático apenas porque a criança se transfere de uma situação paradisíaca no ventre para condições adversas no mundo exterior; a própria passagem através do canal cervical impõe sofrimento e enorme tensão emocional e física."
"A maioria das condições psicopatológicas tem raízes na dinâmica da MPB II e MPB III, que refletem experiências sofridas durante o tempo intermediário entre o tranquilo estado intra-uterino e a existência pós-natal no mundo exterior. No processo de reviver e integrar o trauma do nascimento, o indivíduo pode estar lutando por um retorno ao ventre ou, inversamente, pela conclusão do nascimento e saída fora do canal cervical, dependendo do estágio perinatal. A tendência para exteriorizar e descarregar as sensações reprimidas e as energias geradas durante a luta pelo nascimento representa uma profunda força motivadora para um amplo espectro de comportamentos humanos. Isso é especialmente verdadeiro quando se trata de agressão e sadomasoquismo, duas condições para as quais a interpretação de Rank era particularmente inconvincente. Além disso, como aconteceu com Freud, Adler e Reich - , escapa a Rank uma genuína compreensão dos campos transpessoais."

Seja a chuva que for

" A experiência de ser a chuva pode ser exatamente a mesma para todas as pessoas, independente das suas origens e valores.(...)"

As experiências nos estados ampliados de consciência podem alcançar níveis que vão bem além do domínio da consciência pessoal. É possível sentir que somos uma outra pessoa ou um grupo de pessoas, um animal, uma planta ou até mesmo um processo da natureza. As possibilidade são infinitas, e a finalidade de tais experiências não podem ser totalmente explicadas antes delas acontecerem.

Segundo a Fenomenologia, a experiência pessoal é única e intransferível. Ou seja, o modo de alguém sentir e viver a realidade é particular, e não pode ser generalizado. O modo como cada Homem, cada ser-no-mundo habita o mundo é próprio.

Quando a consciência se expande além dos limites individuais, e acessamos uma experiência de ser-a-chuva, por exemplo, esse modo único de sentir e de ser não pode ser aplicado. Não podemos dizer que aquela pessoa teve uma experiência única de ser a chuva. Pois a chuva não é um ser-no-mundo, não é um Homem. É um ente, um objeto do mundo. Apenas o significado ou o sentido que a pessoa tem pode ser único e próprio, relativo ao seu modo de ser.

Uma vez que ocorre a expansão da consciência, algumas referências pessoais podem se alterar definitivamente. Crenças a respeito da realidade e a respeito de si mesmo sofrem mudanças, pois houve uma expansão total das referências. Você não vê uma cidade do mesmo jeito depois que a vê de cima de um arranha-céus...


Chuva em São Paulo vista da região da Avenida Paulista (Foto: Glauco Araújo/G1)



A experiência de ser a chuva pode ser exatamente a mesma para todas as pessoas, independente de quem ela seja, das suas origens e valores. Saber como é ser chuva, os pingos e a água toda caindo do céu, de uma maneira extremamente precisa e objetiva. Sendo cada gota e ao mesmo tempo a chuva toda. São informações verdadeiras, que podem servir de base para ampliar conhecimentos técnicos a respeito do fenômeno meteroelógico da chuva, e principalmente, mudar a hierarquia de valores que regem a visão de mundo de uma pessoa.

Tive uma experiência bem próxima desta: De repente, pude saber como é ser a enorme nuvem de chuva que realmente pairava acima do local onde eu me encontrava. Consegui sentir e saber intuitivamente que, do ponto de vista da chuva, ninguém que estava lá embaixo era importante, ou alvo de punição ou recompensa. Se alguém estava atrasado para se locomover até o outro extremo da cidade, isso era totalmente irrelevante frente à imensidão da nuvem de chuva que pairava acima daquelas pessoas.

Pois a chuva não era uma consequência das minhas boas ou más atitudes. Ela simplesmente acontece porque tem que acontecer.

Meu ego ficou diminuído, minhas preocupações individualistas tornaram-se pequenas frente à gigantesca nuvem de chuva que estava sobre São Paulo, às 17 horas daquele dia.

Por isso é que os estados ampliados de consciência são tão poderosos e transformadores: eles permitem que a pessoa se conecte com dados da realidade que não dependem das características individuais daquele que os observa. Isso permite uma mudança na filosofia de vida e nos paradigmas que definem o que é a realidade, o mundo, os outros e a nós mesmos.

Saude e Fenomenologia - Nichan Dichtchekenian

" (...) trata-se de trazer à luz que concepção de Homem se está construindo e aprofundando com o uso dos métodos, dos “caminhos para”, que as diversas teorias adotam(...)"

       Fenomenologia pode ser compreendida como o esforço de apreensão das formas de ser e, no caso das profissões ligadas ao Homem, como o esforço de apreensão das formas de conhecimento a respeito do Homem. Inicialmente, a Fenomenologia se constitui como uma atividade crítico-reflexiva, no sentido não de rechaçar esta ou aquela forma de conhecimento mas, ao descrever o que uma forma de conhecimento é, de situar seus limites e seu poder próprio de realização. Nas chamadas ciências do Homem, esta atividade crítico-reflexiva tem sido, desde Husserl, frequente, constante e muito fértil: trata-se de trazer à luz que concepção de Homem se está construindo e aprofundando com o uso dos métodos, dos “caminhos para”, que as diversas teorias adotam. A identificação desta visão de Homem que um olhar fenomenológico captura nas diferentes teorias, tem o sentido de, ao situar seu alcance e limites, oferecer à reflexão a oportunidade de perceber que o saber está umbilicalmente ligado ao modo, ao método (e técnicas) empregados, e, portanto: 1) novos métodos revelarão características inéditas do Homem e 2) há métodos (e técnicas) que são o caminho certo, adequado para revelar o Homem na sua particularidade; ele, o Homem, é peculiar e distinto dos outros entes, dos outros “seres”.   
No que diz respeito à primeira conclusão - novos métodos implicam em novos conhecimentos - , não há nem novidade, nem privilégio da reflexão fenomenológica. A história da cultura ocidental, notadamente dos últimos duzentos anos, é, também, a história de novos olhares, novas escutas que ampliam, diversificam, revolucionam o saber do Homem. Podemos dizer, aí, que as diferentes propostas teóricas, as diferentes inquietações de Homens dêsadaptados, inconformados e reflexivos criam rupturas no saber estabelecido e inauguram mundos inéditos.   Repetindo, isso não é privilégio do pensamento fenomenológico, é privilégio do pensar, de um pensar que muito frequentemente precisa de um isolamento, precisa renunciar ao bem-estar do pertencimento, precisa viver um mal-estar do diferente para poder enxergar novos aspectos da verdade do mundo. Na história ocidental tem sido muito freqüente esse movimento de ruptura e reinauguração do saber.
"(...) A história da cultura ocidental, notadamente dos últimos duzentos anos, é, também, a história de novos olhares, novas escutas que ampliam, diversificam, revolucionam o saber do Homem(...)"
            A segunda conclusão – há métodos adequados para irmos ao encontro do Homem, ele-mesmo – quer dizer que , se adotarmos método e técnicas comuns a diferentes âmbitos da realidade cognoscível, com certeza encontraremos um saber verdadeiro a respeito de todo esses âmbitos, mas perderemos a especificidade de cada um deles, especialmente a do Homem. Cada ente, cada “ser”, habita um lugar que é o seu no mundo; o lugar habitado pelo Homem é único – portanto, o modo, o método, o caminho para nós chegarmos até o seu lugar, até o lugar habitado pelo Homem é diferente dos outros caminhos.
       
            E que lugar é este? Que lugar é este que nós podemos chamar de casa do Homem no mundo?
            Ao irmos ao encontro da casa do Homem, ao lugar onde ele vive de uma maneira serena e feliz, podemos encontrar o sentido de ser mais próprio dele, em que ele nos mostra sua intimidade: o Homem é existir.

            A palavra existir é utilizada na terminologia fenomenológica resgatando o seu sentido original do latim: existir quer dizer, numa tradução livre para nós, ser para fora. Existir, por ser atribuído exclusivamente ao Homem, exige de nós um acompanhamento compreensivo muito delicado e atento, com uma consciência crítica muito presente e aguçada, para evitar uma contaminação por pré-conceitos, pré-compreensões, os quais estabelecem previamente um rumo para as conclusões quanto ao que é próprio ao Homem.

            Então, munidos de um interesse genuíno, vivo, quase infantil pelo Homem e, ao mesmo tempo, atentos às armadilhas inevitáveis nas quais caímos, por força de atribuições ao Homem de características que, embora pertencentes a ele, não o diferenciam de outros entes, percorremos o  caminho para , o caminho em direção ao Homem; temos aí o método na sua acepção original e própria: meta-odos = caminho para um lugar.

            Neste ponto, no ponto em que há uma articulação mutuamente implicada do interesse, da paixão, da atração com a consciência crítica, reflexiva alcançamos um novo momento da presença da Fenomenologia: ela não é mais, somente, consciência crítica, como fora nos seus primórdios, a partir de Edmund Husserl.
            A Fenomenologia, ao amadurecer como prática e aprofundamento reflexivo, percebe, e propõe claramente, que o que possibilita a consciência crítica, o que fornece à reflexão o próprio motivo de sua presença, é o comprometimento vivido pelo Homem.

            Então, Fenomenologia adquire um status de amadurecimento ao se apresentar, enquanto conhecimento, enquanto saber, como a adoção de um vivo interesse por algo e, simultaneamente, como uma crítica, não para refrear, amornar o interesse, mas para orientar, para estimular o interesse, a paixão, a manterem uma fidelidade ao caminho originalmente percorrido. Percorrer um caminho significa, fenomenologicamente, que eu já antevejo o lugar para onde vou. Na medida em que vivo o caminho, vou percebendo tudo o que à minha frente se mostra e aparece.

            A recomendação do trabalho fenomenológico é continuar esse caminho, percorrer aquilo que a percepção indica sem tirar conclusões que buscariam adiantar o que se vai encontrar. Isso constituiria um pré-conceito.

            O preconceito é um modo de nós lidarmos com a presença do ser através de um ente peculiar, que atenua, que suaviza, encobre o sentido original e inédito de ser deste ente e o envia a um sentido já conhecido, já dado e , portanto familiar a nós.

            No entanto, o sentido próprio e irrecusável de sermos homens – um modo peculiar de ser ente entre outros entes – é o de sermos espaço para que os outros entes sejam visíveis. Nós, humanos, somos um modo de ser peculiar de perceber e nomear o modo de ser dos outros entes, distinguindo-os como eles mesmos e os iluminando na sua especificidade.

            Dizíamos que existir, ser para fora, é o que caracteriza o Homem como tal, como Homem; não só no que ele é semelhante aos outros entes, mas no que ele é privativamente - existência.
            Se existir é “ser para fora”, quer dizer, inicialmente, que o Homem é disponibilidade para. Mas disponibilidade para o quê? Para tudo aquilo que o alcança, que o toca – então o Homem é sensibilidade, sensibilização. Disponibilidade quer dizer, também, que o Homem é abertura, isto é, o Homem é um ente, cujo modo de ser é ser tocado, provocado por algo (ou alguém) diferente de si, que, mesmo semelhante, como é o caso de outro Homem, jamais será igual a ele.

            A existência como abertura, como disponibilidade para o que não é, nem será igual a mim, para o que desperta a minha atenção, nos remete a mais um aspecto, que é o da transcendência – o Homem como abertura, disponibilidade, ser para fora é transcendência, é ir além de si, é verdadeiramente acolher em si o diferente de si, os outros entes, reais ou imaginários. E acolher, aqui, quer dizer testemunhar, nomear aquilo que, por força de sua própria característica inevitavelmente o toca, o chama para ser nomeado, para ser tirado do anonimato, do nada.

            Quando dizemos que o Homem é disponibilidade para, enquanto transcendência, queremos dizer: sem o Homem o que é o mundo? A possibilidade do Homem de nomear, acolher em si algo que não é ele e lançar-lhe uma luz faz com que aquilo que estava na obscuridade apareça. O ente responsável pela iluminação e pela identificação de tudo o que é, é o ente Homem. Ele não dá vida às coisas, ele as ilumina. Antes do Homem as coisas são apenas possibilidades de ser. Ser Homem, então no seu modo peculiar e próprio de ser, é ser a possibilidade de iluminar, de dar contornos significativos, nítidos aos outros entes e alcançar uma compreensão dos outros homens. Compreender outro Homem, fenomenologicamente, não é aceitar ou rejeitar o seu modo de ser, mas acompanhar e perceber a necessidade vivida pelo outro de ser como ele é.

            A tarefa do Homem no mundo junto aos entes, os reais e os imaginários, os palpáveis e os impalpáveis, a tarefa do Homem é ser esse espaço onde cada ente tem a oportunidade de adquirir consistência de ser, porque é percebido, é nomeado, é estudado, é abordado.
            Nossa tarefa é nos mostrarmos disponíveis para que os entes falem de si através de nós. 
            A propósito, o significado dos entes já é a presença deles. O significado que eu atribuo a cada ente mostra o ente na sua essência. O conteúdo do significado não me pertence. O que pertence a mim é a responsabilidade de acolher o ente e fazer com que a característica própria dele apareça através de mim. Os outros entes não são criação do Homem, eles existem por si mesmos, mas sem o Homem eles vivem no sem-nome. Nós somos testemunhas dos outros entes. O significado do ente é inesgotável porque ele vai surgindo de acordo com cada novo olhar que o visualiza, de acordo com cada nova iniciativa do Homem em relação a ele. Por isso, para a Fenomenologia o saber é inesgotável, o saber não é uma questão de tempo, como nós, Homens do século XIX pensávamos: epistemologicamente, nós achávamos que o saber era uma questão de tempo e de tecnologia, que quando a tecnologia fosse o mais apurada possível, haveria um esgotamento daquilo que se poderia conhecer, porque a natureza essencial do ente já estaria determinada. A determinação como objetivo de entrar em contato com o modo de ser essencial dos entes, inclusive o Homem, estabelece a verificabilidade e o manejo controlador como um modo de relação do Homem com os entes.

            Para a Fenomenologia, a inesgotabilidade do saber não é meramente uma petição de princípio, uma hipótese de trabalho conveniente para ajustar suas convicções. A inesgotabilidade é fundada na percepção e reflexão que encontram a verdade do ser na relação direta com um modo de ser do Homem que lhe serve de veículo. Assim, novos tempos, novas eras significam novas modalidades de abertura do Homem para com os entes e , com estas novas aberturas, novos sentidos de ser dos entes.

            As novas modalidades de abertura são, na verdade, experiências de um alcance transformador, revolucionário para o Homem que as vive. Trata-se de viver de um modo irresistível e angustiado, extremamente atraente e muito temerário o acolhimento, o contato com o novo, o terrivelmente novo, porque nos desaloja do nosso chão, da nossa familiaridade.
            A experiência de ser tocado e de ser ver e sentir transformando-se, abre, para cada um de nós, a oportunidade de ser testemunha e protagonista de um novo tempo, de uma nova vida.
            Quando toda uma geração vive pessoalmente esta experiência nova e irreversível inicia-se a maturação e o preparo de uma nova era, de uma nova época. Aliás História não quer dizer simplesmente o recenseamento dos fatos e datas escolhidos arbitrariamente, mas significa o rompimento dos valores e das práticas de uma época e a inauguração e renovação de um novo modo de viver e de presença do Homem, o que resulta no desvelamento, no desencobrimento de aspectos inéditos do mundo e dos homens.

            Cada Homem, na sua singularidade distintiva, naquilo até que o constrange frente aos outros, porque ele pode ser diferente, desajustado, errado, desajeitado, cada Homem vive a tarefa de acolher em si, de um modo original e único, aquilo que os outros entes lhe trazem: a sua presença. Pelo acolhimento da presença dos outros entes, cada Homem ilumina, dá transparência e nome, oferece a estes outros entes a oportunidade sagrada deles poderem ser, porque foram testemunhados, nomeados, iluminados no seu aparecimento. Porque existir é ser transcendência de si, abertura para o outro, nomeação de tudo que é, podemos compreender, isto é, conhecer o modo próprio de ser do Homem. Compreender é alcançar a absoluta especificidade de um modo de ser distinto do seu. É viver o contato com o modo de ser íntimo de cada Homem.

            Esta concepção de Homem propicia algumas reflexões em relação à saúde.
            Os profissionais da saúde professam e aceitam a responsabilidade de acolher, de receber, de estar abertos a outros Homens que vêm ao seu encontro à procura da restauração, ou da melhoria da saúde, porque vivem a ameaça de não mais ser.
            Esta relação, culturalmente e, portanto, humanamente estabelecida entre profissionais da saúde e pessoas que deles necessitam é uma modalidade, uma das maneiras pelas quais se dá o existir do Homem como disponibilidade para outros entes: o profissional da saúde é aquele que, por sua peculiar e própria maneira de estar aberto a, cria um espaço para ser ocupado pela pessoa em busca de saúde, que encontrará aí, neste espaço de acolhimento e escuta que é o profissional, a oportunidade de se enxergar, de se perceber de uma maneira clara.

            Todo o aparato tecnológico nascido de séculos de pesquisa e inquietação, está simplesmente a serviço de aperfeiçoar o instante de percepção vivido pela pessoa aflita com sua saúde.
            Se compreendermos enxergar e perceber como singelos e prosaicos momentos de satisfação e apaziguamento das aflições, nosso trabalho como espaço de disponibilidade estará muito medianamente estabelecido.
            No entanto, se nos aprofundarmos no sentido existencial desta busca de percepção, compreenderemos que ela é fundamental como ato, vivido por cada Homem, de busca do sentido do existir mesmo. Além disso, o existir, no que nos diz respeito como profissionais da saúde - disponibilidade para com os outros - é o que oferece a tranqüila certeza de um sentido de ser por nós mesmos e preenche o nosso existir de uma única e insubstituível presença para aqueles que nos procuram.

            Isso significa também que nós profissionais não somos uma presença onipotente em relação às pessoas, somos aqueles que, frente ao sofrimento somos chamados a nos interrogar a respeito de nós mesmos. A nossa afetabilidade em relação ao sofrimento do outro nos torna mais verdadeiramente presentes na existência dessa outra pessoa.

            Na Fenomenologia, há, além disso, uma palavra que sintetiza a natureza deste contato entre duas pessoas que vivem, cada qual a seu modo, a saúde; ela é denominada cuidar.
            Cuidar, fenomenológico-existencialmente, quer dizer se ocupar e se preocupar em oferecer àquele que está sendo cuidado as condições para que ele desenvolva, faça crescer as suas genuínas e autênticas maneiras de ser. Cuidar ou curar é cultivar as condições para que um Homem possa encontrar a sua maneira mais própria de ser Homem. A saúde, sob um ponto de vista existencial não é só o quanto meu organismo é supostamente saudável, mas o quanto a minha mobilização como pessoa, no meu existir, tem um sentido para mim.

            A pessoa que vive um momento terminal da sua vida, vive uma oportunidade que se impõe e é primordial para ela. Ela tem a oportunidade definitiva e fundamental de interrogar-se a respeito de sua própria existência, daquilo que sempre lhe é caro, daquilo que ela realizou. Tomar posse do sentido de suas decisões, de suas hesitações e de seus fracassos, dos seus amores e de suas indiferenças é um ato sagrado de apropriação do seu existir.
            Portanto, cuidar de alguém não é ter como ponto de chegada um modelo de saúde que nós, como profissionais, elegemos ou elegeram por nós; os modelos de saúde não são errôneos ou equivocados como propostas, mas pecam por se constituírem em únicas e exclusivas referências de bem-estar.

            Nossa tarefa como profissionais da saúde é oferecer à pessoa que nos procura, através do nosso respeito e acolhimento, a oportunidade dela se liberar para cuidar verdadeiramente de si-mesma, se constituir como vida, numa serena e obstinada busca de um sentido de ser.

            Ser uma pessoa saudável, na plenitude da sua possibilidade mais própria de ser, é ser alguém que é mobilizado pela procura de um sentido de ser.

Instante: Essência do Tempo - Nichan Dichtchekenian

Ao voltarmos nossa atenção ao tempo, podemos perceber aí uma característica inerente, própria a ele. Esta característica nós a encontramos como ritmo.


Ritmo e tempo. Tempo e ritmo. Tempo é ritmo.



Sem ainda um olhar e uma reflexão aprofundada, vamos considerar, como ponto de partida, que tempo é ritmo.



E se é ritmo, imediatamente vamos constatar que há muitos ritmos, talvez, infinitos ritmos.



Há infinitos tempos?


Mantendo essa pergunta suspensa, vamos nos dirigir para um outro desdobramento desta noção de tempo como ritmo: há ritmos, há tempos que são comuns aos homens. O tempo comum, compartilhado pelos homens é, sem dúvida, aquele dos anos, dos dias, das horas, das estações. O tempo compartilhado se refere a uma dimensão da existência dos homens em que cada um de nós encontra-se lançado no viver segundo as referências de todos os homens; cada um de nós, neste “tempo do relógio”, neste “tempo comum de todos e do mundo”, vive e é como todos os outros.



Ser-como-todos-os-outros não nos lança necessariamente na alienação do que é próprio, do que diz respeito a cada um; cada um de nós, no tempo, no ritmo de ser como todos são pode viver, também o encontro, a comunhão, o compartilhamento.


As atividades vividas pelos grupos de pessoas a propósito de comemorações, de decisões, de discussões, não se constituem, a princípio, de acontecimentos de massa, mas acontecimentos em que cada homem é convidado, algumas vezes convocado, a se colocar a respeito de questões que afetam o grupo do qual ele faz parte.
Daí, nós podemos designar estes acontecimentos vividos por grupos de homens como indicadores de um tempo: é tempo de decisão, é tempo de comemoração, é tempo de dançar, é tempo de lutar, é tempo de trabalho, é tempo de descanso.



No entanto, há ainda uma compreensão em relação ao tempo, (e quando dizemos compreensão queremos indicar a natureza essencial de algo) que está presente nesta noção de tempo como momento dos homens compartilharem algo em comum, e que, além disso, serve como suporte, como sustentação para o compartilhamento, e que não está explicitado, não está percebido, nem plenamente compreendido por nós.
Quando dizemos (e vivemos) um tempo de decisão, um tempo de dança, um tempo de trabalho estamos em contato com um acontecimento – decidir, dançar, trabalhar – que se inicia, num dado momento, e que cada um de nós vive na singularidade e particularidade solicitadas pelo acontecimento.



Então, dançar, decidir, trabalhar são modos-de-ser que cada um de nós vive, só ou com os outros, e, por ser modo-de-ser, nos transforma inteiramente no dançarino, no trabalhador; somos, aí, o humano dançarino, o humano trabalhador em que cada um deles constitui uma maneira.



Dançar, decidir, trabalhar, são acontecimentos que irrompem como únicos, como marcantes e que dominam e predominam em nossas vidas enquanto estiverem presentes.



Ao dizermos, então, que é tempo de dança, tempo de trabalho estamos subentendendo dois outros aspectos do acontecer da dança, do trabalho, da decisão: a de que eles irrompem e interrompem, fraturam um outro modo de viver e nos transformam inteiramente naquele que dança, que decide, que trabalha:



É tempo de trabalho, é tempo de dança, não é uma convocação externa, formal e artificial; pede, de cada um, o se transformar, o se permitir que brote e se desenvolva em si o modo-de-ser do trabalhador.
Dizer que tempo, então, é a irrupção de um acontecer próprio e único e que tempo é, também, a consolidação deste acontecer como modo-de-ser, este dizer do tempo nos convida, nos obriga a novas interrogações: 1) como a irrupção é vivida pelo homem; que implicações ela traz a ele; o que afinal, vive o homem ao ser o protagonista de uma irrupção, de um novo tempo, de um outro tempo. 2) como se dá a instauração da nova possibilidade de ser irrompida? É uma questão de repetição? O que quer dizer, na verdade, repetir? Repetir é estabelecer um hábito? Hábito é a transformação de novo em conhecido? Conhecido é o automático, o familiar? Mas o automático, o familiar, o já-aí-dado e sabido é plenamente compreendido na sua naturalidade?


Ao nos voltarmos para compreender a irrupção de algo novo para o homem, vamos na verdade compreender, simultaneamente e com toda clareza, a condição de ser homem e o quer dizer tempo na sua essência, já indicada como irrupção: o homem, ao ser lançado no novo, viver a importância de poder ser quem sempre foi, o que nada lhe valem os recursos acumulados até então e, a ansiedade, a expectativa, a angústia do novo, do desconhecido que lhe vem ao encontro e em relação ao qual ele se vê voltado para receber, mas este momento, este instante de viver o novo, o futuro na acepção própria da palavra, não se esgota num mero acontecimento emocional, psíquico, sem valor existencial. Na verdade, é a dimensão existencial do viver o novo tempo, o novo modo-de-ser que necessitamos explicitar: viver o novo tempo, se abrir ao futuro é, inevitavelmente, é necessariamente deixar-se morrer para o modo-de-ser habitual e permitir-se viver, na solidão e no desamparo a fé de que é possível ser, propriamente, verdadeiramente, realmente aquele que o vazio, o nada, o ainda-não-ser anuncia.



Devemos, agora, observar alguns aspectos deste momento da existência que designamos como novo, como futuro, como tempo.



O confronto do homem com o nada e o inevitável, às vezes lento, reenvio dele para uma possibilidade de ser que se anuncia e que o convida, às vezes, inicialmente, o ameaça, não se constitui, este confronto num momento, excepcional, raro, extraordinário no existir.



Viver, enquanto existir, enquanto ser, como homem, uma aventura, uma disponibilidade, uma inevitável condição de se sensibilizar com aquilo que não é ele mesmo, implica estar mergulhado no encontro com o diferente de si, na convocação de ser tocado e ser chamado a conhecer, a explorar, a nomear o que se apresenta, e que, por isso, faz do homem, como existir, ser angústia. Mas por que esta situação de nomear, portanto, de acolher, de receber, de conter em si é angústia? Porque angústia é viver a ameaça de não-ser si-mesmo, homem.


Então, ser homem é ser chamado, “de dentro”, a receber o diferente de si, como tarefa de iluminar, com a luz do interesse e do entendimento, o sentido de ser daquilo que não é ele-mesmo. E mais.


Que o ser homem, ele-mesmo, só tem sentido, não como prescrição, mas como condição aí na tranqüilidade e na segurança de poder-ser, ao se colocar, ingenuamente, incompreensivelmente, sensível ao apelo do que parecia estar esgotado no sentido de ser, e que o desperta para um novo olhar, desafiador, solicitador.



E, tempo, então, não é simplesmente, o registro, pontuado, dos fatos lá, no além, numa régua plana e uniforme, mas, é a inesgotável, a imprevisível explosão de possibilidades de ser, que nós homens, para angústia e espanto nossos, somos destinados a protagonizar.



Tempo é ritmo, sim. Mas não é ritmo só conhecido e instituído. É ritmo por nascer; por nascer e ser oferecido por cada um de nós que vive a angustiosa experiência de escutar e acolher o novo sentido de ser de algo, de alguém, de nós mesmos.


No entanto, como dar conta deste enorme e inevitável variedade de “tempos” que nossa condição de homens vive?


Cada um de nós, como homem, está destinado a viver o impacto do novo, a ser convocado para anunciar este novo aos outros homens e viver a enfadonha tarefa de transmitir a boa nova.


Bem, porque um novo tempo nos implica inteiramente, no sentido em que sem a nossa completa adesão, a transformação é falseada e não se dá, para que nos tornemos um lugar em que um modo-de-ser nosso se consolide e, portanto, um novo sentido de ser do mundo se mostre através de nós, é preciso insistir.

Mas o que quer dizer insistir e por que insistir é o caminho para a consolidação de um novo sentido de ser, de um outro sentido, da verdade em suas infinitas faces, mas sempre, e a cada vez, a verdade absoluta?


Insistir. A palavra insistir, nos seus ecos longínquos que nos alcançam, a nós que a cada momento de iluminação do sentido de ser, queremos nos poupar desta tarefa angustiante e, desta tarefa que nos atrai e nos hipnotiza, a palavra insistir já carrega na sua constituição o seu sentido: ser em direção a uma interioridade, ir em busca da constituição de algo em si mesmo; assim como existir indica ser, estar voltado para fora, sensível a tudo que não é si-mesmo.


Nós, homens, seres do existir e, por tal condição, na possibilidade iminente de sermos, nós homens, o que não somos em nós - mesmos, mas abrigo humilde dos “outros” seres, exatamente por sermos existência somos sensíveis à insistência.



Existir não é disponibilidade para tudo. Não é sensibilidade para qualquer coisa.
Cada um de nós porque nasce e, portanto, eclode e funda um novo tempo, um tempo que é novo porque anuncia, pela presença de cada um, uma peculiaridade de ser, existe, isto é, permanece aberto e sensível de uma maneira especial, específica: nos momentos em que somos abertura medrosa encobrimos o sentido de ser do que nos toca considerando-o já conhecido, considerando-o como “nada mais do que...”; nos momentos de abertura, de disponibilidade nos mobilizamos para escutar o que o ser nos diz através de um ente.



Este escutar faz o nosso existir ser uma insistência, ser um aprofundamento da tarefa de recolher todos os elementos que o ser sussurra para cada um de nós.


Insistir, então, é repetir, é pedir novamente que aquilo que é se mostre e para que nós possamos compreendê-lo, quer dizer, que nós possamos chegar até ele.



Mas esta compreensão não se dá por acaso: como já dissemos, nossa abertura, nossa sensibilidade acontece, sempre, de uma determinada e específica maneira – porque nascemos aqui e não lá, porque somos homens e não mulheres, porque somos desta família e não de outra – e esta nossa condição nos leva necessariamente a elegermos, a sermos tocados e chamados por determinadas pessoas, certas situações, certos eventos.


Até aqui, chegamos a uma situação que torna a articulação existir – insistir – sensibilidade e compreensão – um processo, no fim das contas, pré-determinado, pré-estabelecido: o nosso nascimento, a nossa eclosão, aparentemente anunciada de uma renovação, de uma revolução, parece estar a serviço de uma herança, nos situa antecipadamente num certo modo de existir e de se afirmar.


O tempo, esta explosão surpreendente de um novo modo-de-ser, que anuncia a promete um novo mundo, parece se resumir a um instante isolado, extemporâneo, sem desdobramentos.



Aliás, na sua constituição original, o tempo é instante: único, sem passado, sem futuro. Uma expressão direta de descontinuidade.

E o que faz com que cada um de nós viva, numa relação superficial e pouco reflexiva, uma percepção de que o tempo é, pelo contrário, continuidade e duração?


A continuidade, a duração são, também, características do tempo. No entanto, elas são expressões de um duro, laborioso, angustiante processo de insistência.



A insistência, como vimos, é o interesse, no existir de cada um, em eleger uma direção de vida e certo aprofundamento na vida.



A continuidade, a duração, a permanência se constituem não porque cada um de nós herdou e está reproduzindo certo tipo de presença no mundo com as coisas e com os outros; se fosse assim, se a permanência, a duração acontecessem como resultado de uma repetição automática, se insistir fosse retornar a cada vez como um automático, a relação do homem com a sua obra seria superficial, frágil e não vivida por ele como uma conquista de trabalho.


Um modo-de-ser, uma obra, uma vida estão aí e de certa forma permanecem porque o insistir é, a cada vez, a convocação, como se fora a primeira vez, que chega a nós de reconstruirmos o que já fora construído, de redescobrirmos o que já fora descoberto, não só porque esquecemos como se constrói, perdemos os caminhos da descoberta, nos acomodamos no já conquistado, mas porque nós, o mundo e os outros somos diferentes a cada momento, pedimos a nós mesmos para sermos escutados de um novo modo, porque, apesar de sermos os mesmoscontinuidade constituída a partir de uma descontinuidade original e essencial - somos, sempre, um pouco diferentes, as transformações nos atingem, os instantes nos assaltam, a nós, homens, mundo e acontecimentos.


Insistir não é apenas uma característica derivada de uma herança e que nós, homens, devemos carregá-la (ou nega-la) como um fardo, no mínimo, incompreensível.


Ao sermos aqueles que se constituem como continuidade, como permanência pelo insistir, ao sermos aqueles que constituem uma obra – permanência de um sentido, de um modo-de-presença – conquistamos, não definitivamente, mas com confiança, um habitar. A angústia de nos sentirmos ameaçados pela precariedade dos instantes – que são insensíveis aos nossos apelos de permanência e de continuidade – esta angústia, não é eliminada, mas recebe lufadas de tranqüilizarão exatamente quando tornamos nosso um lugar de insistência: um lugar de insistência, que nasceu por herança, alienado de nós, transforma-se em nosso lugar, em nossa casa. Habitar é tornar um lugar anônimo e perdido em nossa casa; habitar é viver um lugar como seu – acolhedor e íntimo; seguro e conhecido. E hábito, então, é habitar um modo-de-ser, de tal maneira que o hábito não necessita de nossa atenção – ele já é nosso; ele já é nós.



Assim, ao vincularmos o tempo ao homem estamos sugerindo alguns sentidos a ele, tempo, que vamos ressaltar, para terminarmos a nossa comunicação.


Tempo não é só dos homens. Tempo é uma dimensão própria, inerente a tudo que é, inclusive o homem.



Mas é só no homem que o tempo adquire uma peculiaridade! Cada um de nós, homens, por não poder ser igual aos outros homens, inaugura, pelo simples fato de estar-aí, m novo tempo, quer dizer faz do tempo uma realidade: a transformação, a ruptura, definitiva, irreversível. Porque, agora podemos contatar e afirmar: sem transformação radical (pela raiz), sem mudança irreversível não há tempo, há eternidade.


Os outros “seres”, os outros entes vivem um tempo que é único e permanente; por tal peculiaridade, podemos, de certo modo, dizer que os outros seres são eternos – porque não vivem o tempo – se constituíram de um certo modo, numa certo ritmo de ser e se mantém como tal – não há, neles, uma transformação.


Com o homem, o tempo tem um lugar próprio e inerente a ele: porque existir é conquistar, a cada momento, um modo-de-ser, uma segurança de ser, o tempo é a expressão mesma destas conquistas que fazem do homem um ser a se constituir, um ser que tem na transformação uma dimensão essencial.

A PATOLOGIA COMO MODO DE SER: UM ESTUDO DE BINSWANGER SOBRE A EXCENTRICIDADE

Por Nichan Dichtchekenian

Ludwig Binswanger é um psiquiatra suíço, nascido em fins do seculo XIX e, portanto, presente na primeira metade do século XX. Ele vem de uma família de médicos psiquiatras, avô e pai, que eram responsáveis e mantinham um sanatório na Suíça, do qual Ludwig foi herdeiro e diretor muitos anos. Além disso, manteve sempre um intercâmbio vivo e atualizado com outros psiquiatras da sua época e também com psicanalistas, como é o caso de Freud, com quem cultivou, durante muitos anos, um contato de amizade e de discussões profissionais.

Mas um acontecimento teve importância decisiva na vida intelectual e profissional de Binswanger : foi a leitura de “Ser e Tempo”, de Martin Heidegger. A reflexão de Heidegger ofereceu a Binswanger uma verdadeira e definitiva chave para a compreensão e a abordagem do fenômeno psiquiátrico. A partir daí, Binswanger encontra o instrumental adequado e riquíssimo para compreender o ser humano, sem que ele seja indevidamente confundido, na sua essência de ser, com outros entes que são estudados pela ciências. Binswanger encontra na Fenomenologia uma referência nova de método e, portanto, de conteúdo de estudo.

Esta é uma colocação muito cara à Fenomenologia : cada ontologia, cada concepção de ser de um ente, estabelece, automatica e necessariamente, um caminho para alcançá-lo, um método.

Para o estudo do Homem como Homem, naquilo que lhe é próprio e intransferível, esse caminho recebe o nome de método fenomenológico.

O método fenomenológico, por ser um modo descritivo e compreensivo de aproximação em relação ao Homem, modo este cujo o único pressuposto ontológico é o de permitir que o fenômeno humano fale por si mesmo, constata, nessa expressão do humano, que o Homem é, em todas as circunstâncias e momentos de sua vida, existência, isto é, ser-no-mundo.

A concepção do Homem como existência é a grande contribuição que o método fenomenológico empresta ao saber do Homem a respeito do próprio Homem.

Esse método, voltado para o Homem, constata que a sua essência de ser é existir. Isso indica : ser para fora, abertura para, acolhimento de, sensibilização por. Tudo isso é existir.

Existir é o conteúdo revelado a respeito do Homem pelo método fenomenológico.

Existir é tanto uma abertura, quanto a realização de um destino. O destino não é algo pré-estabelecido, mas vai se constituindo no decorrer mesmo dessas aberturas para.

O nome que essa constituição de um destino recebe na Fenomenologia, nas palavras de Binswanger, é o de biografia existencial, que é o perfil das diferentes aberturas para, e portanto, das escolhas que o Homem vive durante sua vida e cujo desenho constitui um sentido. Fenomenologicamente isto é a expressão da historicidade.

Acompanhar fenomenologicamente a história de uma vida é acompanhar as rupturas e as escolhas feitas e vividas por uma pessoa. História, para a Fenomenologia, não é a apreensão de um passado já constituído, mas o acompanhamento vivo das transformações quanto ao modo de ser e ao sentido de ser que o Homem vai contituindo durante a sua vida.

Para Binswanger, o sentido que a existência adquire, e que vai se tornando claro nos momentos críticos de transformação, recebe o nome de tema.

Então, existir não é compreensível apenas pela sua dimensão de disponibilidade e abertura, mas como realização orientada para um determinado destino.

A maneira de nós vivermos cada instante da nossa vida é sendo no mundo, vinculando a nossa subjetividade, isto é, a nossa maneira própria de nos abrirmos, a um mundo que está aí nos solicitando um posicionamento de ser. E se nos solicita é porque nos diz respeito.

A subjetividade, abordada fenomenologicamente, em nenhum momento da vida humana adquire um status de auto-suficiência, porque a sua constituição como tal se dá a partir de sua abertura para o mundo. Mas isso não quer dizer que a subjetividade se dilui no mundo. O seu contato com o mundo faz dela uma dimensão madura e caracterizadora de uma pessoa.

O Homem, em todos os gestos vividos por ele, inclusive aqueles da quietude e da reflexão, é ultrapassamento de si mesmo, é subjetividade vinculada a um mundo, abertura originária ao mundo.

Isso indica que uma plena entrega do Homem ao instante vivido, o leva inevitavelmente para além de si mesmo, isto é, para além de um modo absoluto de encarar as verdades reveladas até então. Cada instante é uma oportunidade para uma renovação do sentido de ser e de mundo, não orientada para destruir o já adquirido, mas para ressituar o seu novo valor.

Todos os comportamentos humanos, incluindo os psicopatológicos, são modos-de-ser-no-mundo, isto é, maneiras como uma subjetividade se liga, está aberta, está referida ao mundo. Porque mesmo o modo fantasioso e delirante de ser é uma maneira de viver a relação com o mundo, no caso, de uma maneira imaginativa e solitária.

O modo assim chamado de psicopatológico de ser não é um modo equivocado e errático de ser no mundo. É um modo de ser no mundo que precisa, em última análise, romper a insuportável e insustentável solicitação de contato.

O contato, no modo patológico de ser, é extremamente ameaçador porque todo contato implica em acolher em si algo novo e diferente, que vem do outro. O modo patológico de ser não conta com a segurança de ser si mesmo, que ofereceria a garantia de não ser invadido nem destruído pelo que vem do outro.

Binswanger vai nos trazer uma descrição e um esclarecimento do modo-de-ser-no-mundo daqueles que sofrem de uma psicopatologia, especificamente, no nosso caso de hoje, do modo de ser excêntrico no mundo.

Hoje nós não vamos abordar nem esgotar todos os aspectos presentes no estudo da excentricidade, mas apenas aqueles que dizem respeito a excentricidade como um modo de ser no mundo.

Para iniciar o nosso estudo sobre a excentricidade, vamos nos valer de um exemplo de um comportamento excêntrico, e iremos estudá-lo segundo o modo das ciências de uma maneira bastante resumida e segundo o modo analítico-existencial de uma maneira mais aprofundada, compreendendo o exemplo como um modo de ser no mundo.

Vamos ao exemplo:
Um pai pôe debaixo da árvore de Natal um caixão para a sua filha cancerosa.

Bem, acho que é bastante evidente que o comportamento desse pai provoca em nós espanto, estranheza, horror, uma tendência ao julgamento, uma rejeição. Fica evidente também, para nós, uma absoluta inadequação do comportamento do pai para com a filha.

Esse espanto e esse horror é que tornam possível a nomeação que as pessoas fazem desse tipo de comportamento, surgindo uma série de expressões para designar o excêntrico: ele tem um parafuso mal girado ou mal enroscado, ele está enrolado torto, girado ao contrário, retorcido, curvo; é uma pessoa com o espírito de través, desarmônico, desadaptado, desgracioso, grosseiro, cheio de arestas. É alguém que vive o mundo do través, o mundo sem encanto, sem leveza, o mundo das coisas forçadas, do trato difícil, um mundo onde nada se desenvolve suavemente, mas tudo sai torto e de través, dando errado.

Essas expressões com as quais nomeamos um comportamento excêntrico são verdadeiras num certo sentido : elas revelam que o modo de ser excêntrico não se ajusta no trato humano. É um modo de ser que cai fora das relações das pessoas umas com as outras. É um modo de ser que irrita profundamente a outra pessoa que não é excêntrica, que a frustra muito intensamente. Faz com que a outra pessoa considere o excêntrico como intratável, impenetrável, incomunicável.

Contudo apesar de reveladoras, essas expressões ainda são insuficientes para esclarecer o caráter humano do modo de ser excêntrico.

Ao nos voltarmos, com Binswanger, para a clínica psiquiátrica, vamos com a esperança de que ela vá realizar esse aprofundamento satisfatório para o esclarecimento da excentricidade. O que encontramos na clínica é porém um conjunto variado de descrições e conclusões que não nos oferecem a possibilidade de estabelecer um conceito articulado e claro da excentricidade.

Binswanger mostra que a abordagem clássica tradicional que a psiquiatria faz está completamente invadida por noções científicas, pré-científicas e de senso comum. Não é que não haja um sentido. Não há é um clareamento do sentido. Falta para a abordagem da psicopatologia a dimensão ontológica, falta a dimensão essencial, que é aquela que a filosofia nos oferece como maneira de percebermos o que é um modo determinado de ser, que é a expressão ontológica daquelas manifesações recolhidas pela psicopatologia.

Binswanger indica que a psiquiatria apoiada na ciência natural, encontra especial dificuldade para a caracterização da esquizofrenia. Ela não se deixa capturar nem reduzir a um conjunto de sintomas.

H.W.Gruhle, psiquiatra alemão, em seu livro “Psicologia da Esquizofrenia”, 1929 diz que a esquizofrenia e a excentricidade são deliberadamente invulgares e que aí estaria a chave para a sua compreensão: “O esquizofrênico quer opor-se, toma sempre uma posição esquerda. Muito embora não seja totalmente anti-social, é no entanto contrário às tradições, anti-convencional.” (pg.30) (...)“Assim, entendo sua excentricidade (do esquizofrênico) como um fator expressivo, a saber, da completa alteridade, do isolamento, da solidão – de certo não somente como expressão involuntária, mas como um desvio deliberado. É como se o esquizofrênico fizesse, aqui da necessidade uma virtude, não para se vingar da sociedade mas apenas a fim de, por assim dizer regalar-se, dar largas às suas energias em sua maneira peculiar de ser.” (pg 31)

Binswanger constata que há uma grande riqueza numa descrição como esta. Falta-lhe, porém, a consideração de que esses conteúdos vividos pelo excêntrico são modos de ser de uma pessoa no mundo, de um ser-aí, e portanto devem ser abordados como modalidades existenciais.

Esquizofrenia é um modo de ser, é uma maneira de lidar com os conteúdos. É onde o caráter de humanidade mais está presente, onde uma maneira de ser muito característica aparece. Ela é um modo de viver determinadas formas de ser; ela é uma maneira de ser.

Essa questão não fica restrita à esquizofrenia, ela ecoa por todos os cantos da psicopatologia.
Podemos afirmar, então, que toda patologia é modo de ser.

Quanto á excentricidade – uma forma de comportamento esquizofrênico – o saberes que a psiquiatria, seguindo o método das ciências naturais, nos oferece (descrições de características do comportamento do excêntrico) não evidenciam a relação que o excêntrico estabelece com o mundo e que torna possível o aparecimento, no excêntrico, dessas características.

O que a psiquiatria faz é considerar que a pessoa é uma entidade autônoma e isolada, que carrega em si, no nível de sua subjetividade própria, um modo de ser que determina a natureza da sua relação com o mundo. Para a psiquiatria clássica, o Homem ainda é visto na sua essência como um ente que pode ser compreendido de um modo isolado em relação ao mundo, como um pólo psíquico autônomo, quanto à sua vinculação originária com o mundo.

Para a Fenomenologia, não é o pólo psíquico que determina a relação do Homem com o mundo, mas é a relação do Homem com o mundo que, desde o primeiro instante, estabelece uma maneira de ser, uma certa subjetividade.

Mas precisamos examinar agora a pretensão da Fenomenologia Existencial de dar conta da excentricidade de uma maneira articulada e profunda, através do conceito de ser-no-mundo.
E o que é ser-no-mundo, condição originária do existir de todos os homens?

Antes de mais nada, isso quer dizer que nós vivemos um sentido claro e articulado do mundo em que estamos. Isso é o que Heidegger chama de “circunvisão organizadora” : o mundo, a cada instante da nossa vida, é uma totalidade que possui um sentido e que, de alguma maneira, provoca em nós vivências de curiosidade, vivências de contemplação e vivências de mobilização.

Essas vivências, próprias de um habitar o mundo como nosso lugar de existir, são vivências em que a nossa presença no mundo é um relacionarmo-nos com ele sob a forma de fazermos uso dele naquilo que ele pode nos dizer respeito para uma determinada finalidade, que também nos diz respeito. A isto, a Fenomenologia Existencial dá o nome de “relação instrumental com o mundo”, isto é : a forma primordial de ser no mundo é a do uso através do qual os elementos do mundo dão conta das necessidades do homem e se dão a conhecer a ele.

A percepção do sentido do mundo que o Homem vive faz com que ele não esteja unidirecionalmente presente no mundo, no sentido que qualquer aspecto do mundo percebido por ele pode ser enfrentado e compreendido na sua especificidade.

Todos os homens vivem um mundo ao qual pertencem e estabelecem alguma relação de uso com ele, portanto, vivem um mundo como provisão de suas necessidades e como cenário de seu saber.
O modo de ser-no-mundo da excentricidade é o de fazer um uso excessivo dos elementos do mundo, forçando o seu sentido original e também, a partir disto, frustrando qualquer compartilhamento para esse modo de fazer uso de um elemento do mundo.

Antes de passarmos a identificar esta e outras características da excentricidade no exemplo que enunciamos do pai com sua filha cancerosa, é importante notar que a nossa presença no mundo nunca se dá de uma maneira solitária e isolada. Nós sempre estamos no mundo a partir de outros com os quais estamos vinculados – nossos pais, nossa família. Sendo assim, o nosso ser no mundo é compartilhado, no sentido ou da convergência ou da divergência com os outros, que necessariamente estão ao nosso lado nos diferentes momentos do nosso existir.

Assim, seria mais justo substituirmos a expressão ser-no-mundo pela expressão ser-no-mundo-com-os-outros, porque não há, rigorosa e fenomenologicamente falando, um existir desvinculado dos outros. Embora cada um de nós tenha que se haver com o próprio destino, isso implica necessariamente em desdobramentos e consequências em relação aos outros.

É essencial para o estudo do modo de ser excêntrico do pai do nosso exemplo, notar como a sua existência como pessoa está comprometida e estreitada a partir da frustração de relacionamento que o seu comportamento provoca. O prejuízo de relacionamento que este pai tem com sua filha não é secundário, mas essencial na caracterização do modo excêntrico de ser.

Nas palavras de Binswanger: “Ao dar seu presente de Natal, o pai abre a comunicação com a filha, “Vem ao seu encontro” num convívio. Pois o presente é, em princípio, um abrir-se em comum que envolve uma participação recíproca. Mas aqui – e é isso que é decisivo para a excentricidade – o passo que se dá para o espaço aberto do convívio é anulado pela própria escolha do presente, mais ainda, não somente anulado mas, convertido em seu oposto. Quer dizer : a participação em comum no presente (no sentido em que este implica um presentear e um ser presenteado) converte-se numa total falta de participação da parte da pessoa presenteada. Mais ainda : o ser-presenteado converte-se num ser-ofendido. Ou “com” do convívio que estava à vista, de repente desaparece. Tocamos assim a particularidade essencial da excentricidade, sua verdadeira essência : o tema “presente de Natal” vai aqui muito além de um ponto compatível com sua própria consequência, o querer dar uma alegria com o presente, ou seja, vai além do convívio, ou melhor, passa por cima dele. Quando isso ocorre, como em nosso exemplo, a consequência do tema deixa de ser consequência ! Aqui, ao passar por cima do convívio, por cima da participação em comum em algo comum, a consequência do tema transmuta-se em seu contrário, em inconsequência. Eis aqui o verdadeiro ponto de ruptura, o ponto em que a “tensão” do tema se converte em “exagero, exaltação” e o tema “se rompe em pedaços”, o ponto em que a direção retilínea da “abordagem explicitadora, guiada pela circunvisão organizadora, da coisa providenciada” de repente se torna uma linha torta ou subitamente se poe de través. Ou, para lembrar a perífrase da excentricidade com a maluquice do “gira” : aqui, ao colocar o caixão sob a árvore de Natal, a consequência do tema “presente de Natal para a filha cancerosa” é girada além do limite até o qual ainda se podia preservar o convívio : ele é forçado ou girado, torcido errado. Como o parafuso torcido errado, ele não pode mais ser torcido, mas fica cada vez mais “entalado” quanto mais forçamos. Com esse excesso ou erro no girar ou torcer da consequência através da anulação do convívio, a consequência do tema converte-se numa penosa consequência (Szilasi), penosa em duplo sentido : no sentido da pertinácia com que é percebida pelo pai, por um lado, da afronta feita ou anulação do convívio, por outro lado. Há meios para preservar a participação comum na coisa comum – nós os denominamos consideração, cortesia, tato – e há meios para dificultar ou obstar a mesma – nós os denominamos negligência, falta de tato, falta de consideração, afronta, insulto.

Este é um trecho elaborado por Binswanger e nele podemos acompanhar com clareza o método fenomenológico como caminho para percorrer e alcançar a existência deste pai. Ao descrever os comportamentos do pai, em nenhum momento Binswanger se remete à dimensão psíquica dele, como possível fonte de inteligibilidade. Estabelecer um psíquico no Homem é, sob o ponto de vista fenomenológico, criar um obstáculo difícil de ser ultrapassado : é conceder ao Homem, em nome de uma originalidade ontológica equivocada, uma natureza isolada e desvinculada do mundo e dos outros. Aliás, conceder um psíquico ao Homem, como fonte dos acontecimentos vividos por ele, é considerar que o psíquico é o plano da realidade do Homem e que seus comportamentos no mundo com os outros são consequências deste plano. Resta saber como, sendo essa a condição humana, a de um ente fechado em si mesmo pelo psíquico, o que é real psiquicamente corresponde ao que é real no mundo com os outros. Esta é uma situação embaraçosa para um pensamento que ainda se guia pelo princípio filosófico de que um essência de ser é única e exclusivamente a substancialização de um ente, no caso, o Homem.

Ao acompanharmos Binswanger, percebemos claramente que ele situa os comportamentos do pai no contexto e estrutura de ser-no-mundo-com-os-outros. Assim, o presente caixão faz parte da situação de mundo Natal e é destinado, já que é um presente, à alguém, o presenteado. Além disso, um presente não é apenas um objeto dado com indiferença a alguém, mas para dar alegria e satisfação ao presenteado. Tudo isso é realizado pelo pai e levado em conta por ele : “É Natal, época de dar e receber presentes, tenho uma filha a quem presentear. E escolho um presente para dar a ela”. Mas a situação real como um todo não se esgota aí : sua filha está com câncer, com a morte se mostrando iminente. Isto também é parte essencial da situação, levada em conta pelo pai, que, a partir daí dá um caixão como presente de Natal à filha.

Neste momento, quase por “instinto” da época em que vivemos, perguntaríamos o “porquê” desta escolha de presente pelo pai. Binswanger nem esboça um movimento nessa direção : o método fenomenológico pede que Binswanger fique atento ao que “aparece, tal como aparece”, isto é, ao fenômeno humano de “festa de Natal para um pai e uma filha muito doente” e, acompanhando o comportamento do pai, constata sim que o pai escolhe um presente para esta ocasião de Natal, escolhe um presente especialmente para esta filha dele, e, por ser um caixão, rompe com duas características inerentes à situação total “festa de Natal” : a primeira, a de tirar da filha a possibilidade de usufruir do presente e a segunda, a de impedir que a filha pudesse, junto a ele, alegrar-se e compartilhar com ele dessa alegria. A primeira característica rompida pelo pai tira a filha da situação de presenteada de Natal, e a segunda suprime os sentimentos de alegria nela e cria uma distância e não comunicabilidade entre ele e a filha.

Além deste acompanhamento do fenômeno, Binswanger se aprofunda nos desdobramentos sobre o modo como o excêntrico vive o tempo, isto é, como ele temporaliza e o modo como ele vive o espaço, espacializa. Assim, o excêntrico vive o “tempo vazio”, o tempo sem transformação real e efetiva porque absolutiza-se em um conceito, uma idéia, sem levar em conta as características peculiares de uma determinada situação, tornando frustrada a eclosão de um novo momento.

E, também vive um espacializar onde o lugar das coisas do mundo é totalmente indeterminado e totalmente possível. As relações de pertinência que o excêntrico faz de uma coisa com outra são livres, não fixas, não compartilháveis pelos outros. – Isto é diferente da originalidade de criação da arte, que de algum modo alcança a compreensão dos outros como uma nova proposta de sentido.

E todo esse trabalho realizado por Binswanger, que aqui nós apenas trouxemos alguns aspectos, em nenhum momento escorrega para a busca de possíveis processos ou estruturas psíquicas pré-estabelecidas que estariam ocorrendo simultaneamente aos comportamentos do pai.

Para finalizar, quero ressaltar que essa forma de trabalho – a patologia como modo de ser – tem implicações institucionais e políticas claras : faz da loucura uma possibilidade de ser Homem e, também sem querer “sarar” os loucos, busca integrá-los à comunidade humana, considerando-a como uma maneira de existir.

DIREITO DE RESPOSTA - A FENOMENOLOGIA - PROFESSOR NICHAN DICHTCHEKENIAN

DATA: 26 / 08 / 2002 às 17:00 h
Local: Auditório 239 PUC/SP


Como uma breve introdução a este encontro, o primeiro dentro do projeto do PET de promover o debate entre as diferentes propostas em Psicologia, sob o ponto de vista epistemológico,gostaria de começar afirmando que a Fenomenologia, em termos de Epistemologia, se coloca da seguinte forma: qual é a questão com a qual nós vamos viver um aprofundamento e a pretensão de um saber, a partir do qual um método vai ser buscado?

Na Psicologia ligada ao homem, toda proposta epistemológica precisa ser pensada, constituída, discutida a partir do homem ele mesmo.

Nós vamos estudar não só aquilo que aproxima os homens de todos os outros entes com os quais ele convive, mas vamos também procurar a especificidade do homem como ente ele mesmo.

Os parâmetros metodológicos para que nós possamos aprofundar e desenvolver um saber, uma pesquisa a respeito do homem, têm que estar fundados nessa especificidade, que não tem um caráter especial diferenciador enquanto valor, mas como algo que lhe é privativo, que lhe é próprio.

Essa especificidade permite encontrar aquilo que fundamentaria uma Epistemologia que fosse de encontro a esse ente, cujo nome é Humano.

A Fenomenologia aponta para a necessidade de se estar permanentemente voltado para o homem como tal e de a Epistemologia ser uma expressão do contato do pesquisador com o homem.

Sendo assim, a noção de Ciência muda um pouco. Há, nos últimos anos, uma noção de Ciência uniformizada demais. Confunde-se fazer Ciência com um certo número de procedimentos padronizados. A metodologia consagrada e conhecida dentro das ciências se adequa ao homem em muitos aspectos com certeza, mas uma metodologia que diga respeito ao homem ele mesmo pode não coincidir com essa noção de que Ciência seja um conjunto de procedimentos padronizado.

A Fenomenologia propõe que nós pensemos a Ciência em outros moldes, como um procedimento rigoroso e não padronizado, e o rigor diz respeito a uma busca de aproximação entre o procedimento e aquilo que se está pesquisando.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE: Não ficou bem clara para mim a diferença entre rigoroso e padronizado.
Numa reflexão fenomenológica da Epistemologia, devemos repensar o lugar do padronizado no saber. Nós, muitas vezes, nos voltamos para o padronizado como se ele fosse algo a ser ultrapassado. Talvez ele não seja apenas isso. Ele é também aquilo que, em nós, nós habitamos. O padronizado é o confortável.
O rigor que a Fenomenologia pede e propõe, como o modo científico do saber, não consiste no abandono do padronizado, do familiar, do confortável, mas na percepção do sentido fundamental que se anuncia no fenômeno. O rigor, portanto, é o enfrentamento do sentido de ser, a partir e além do familiar.
A EQUIPE DE SÓCIO-HISTÓRICA PERGUNTA:
1-A realidade, para a leitura Sócio-histórica na Psicologia, é socialmente constituída pelos indivíduos que a constroem. Ao mesmo tempo, é uma realidade independente de cada um desses sujeitos,tendo uma materialidade que deve ser necessariamente estudada para a compreensão da subjetividade de cada indivíduo. Como isto se aproxima ou se contrapõe à proposta fenomenológica de estudo da relação entre o homem e a sociedade?
Dentro do olhar fenomenológico, o social é uma dimensão originária e fundante do homem. O social não é uma dimensão posterior à constituição do homem como tal, é o momento originário da constituição do homem como homem. Sob o ponto de vista fenomenológico, a estrutura existencial significativa que expressa essa dimensão fundante e constituinte do homem que nós identificamos como o social é a dimensão do humano enquanto ser com o outro.
Ser com o outro indica primordialmente, uma sensibilidade natural do homem para com o outro que lhe é diferente. Essa sensibilidade coloca o homem, desde o início da sua presença, diante da questão do outro como irredutível a ele mesmo. O outro já lhe é dado como um acontecimento.
Desde o começo de sua presença, porque o outro já lhe é dado como um acontecimento, o homem se encontra frente à questão da relação, que quer dizer impossibilidade de reduzir um termo pelo outro. Por mais que haja movimentos que busquem absorver um termo pelo outro, cada um dos termos se mantém diferenciado do outro.
Então, o social é uma dimensão da existência que é absolutamente inalienável de nós. O social não é da ordem da preocupação ou da despreocupação, do interessante ou do desinteressante. O social está presente em todos os instantes de nossa existência, porque a existência do outro é uma referência permanente até para as minhas questões mais íntimas.
A materialidade da realidade diz respeito à estrutura de valores que orientam e privilegiam os modos de relação, o social, porque relação já quer dizer social. A palavra relação, para a Fenomenologia, só subsiste quando há uma referência clara ao social como tal. Assim, a materialidade estudada permite compreender o modo de ser dos indivíduos.
Além disso, fenomenologicamente, como os indivíduos e grupos articulam os valores sociais herdados e presentes, com suas demandas de relação social? Aí, as referências sociais são: preocupação com os aspectos éticos e de realização de um grupo humano ao qual pertencemos, e que, de algum modo, nos tocam ou nos dizem respeito.
Creio que as referências que a abordagem Sócio-histórica tem como relação a este aspecto, não diferem daquilo que eu compreendo como legítima e fundamental preocupação da Fenomenologia. O social não é algo que eu escolho. É preciso levá-lo em conta como uma dimensão absolutamente essencial na constituição da existência das pessoas, sejam elas grupos ou indivíduos.

2 - O que é essência do indivíduo? De que se constitui e qual o seu caráter de naturalidade ou materialidade?
Essência é a sensibilidade que homem tem para responder, de algum modo, ao que lhe vem ao encontro, do social, do mundo e de si mesmo. A essência do homem é sensibilidade para.
Isto quer dizer que o que caracteriza o homem como tal, não é nada a não ser sensibilidade para. A essência não é conteúdo. O homem não tem conteúdos, ele acolhe, elabora ou rejeita, conteúdos, até faz os outros receberem seus conteúdos, mas o que o caracteriza essencialmente é a sensibilidade para lidar com os conteúdos que lhe vêm ao encontro. Com alguns deles todos nós vamos nos familiarizar, nos identificar, muito mais como um movimento de apaziguamento da nossa angústia do que como uma identificação definitiva, porque todos sabemos que a nossa essência é disponibilidade para.
Mas disponibilidade para o quê? Disponibilidade para ser o espaço onde o sentido de tudo pode se mostrar. O homem é aquele cuja essência é disponibilidade para o sentido de todo o resto poder se mostrar, e é só com o homem como presença que o sentido se mostra.
O homem, portanto, é escravo do sentido do mundo, ele está a serviço disto, que é a única coisa que nos resta fazer de específico.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE: Se o homem está referido ao mundo, como ele pode se reconhecer?
Enquanto o homem vive referido ao mundo apenas no modo de ser da ocupação, ele só se reconhece como aquele que tem esta ou aquela tarefa. Se o estar referido ao mundo diz respeito a algo diferente da ocupação, algo diferente da distração, algo diferente de ter que dar conta do que lhe vem de imediato,se estar referido ao mundo é diferente disto, o homem pode então se reconhecer como aquele que vive a angústia de ter que dar conta de algo que nunca se revela definitivamente.
A noção de essência, durante muito tempo na nossa civilização, foi coincidente com a noção de substância. Mas a palavra essência quer dizer: qual é o modo próprio disto? Porque essência vem de essere, que quer dizer ser, um verbo, e substância é somente um modo substantivo de se compreender essência.
A essência do homem é tal que se mostra de maneira verdadeira e absoluta, mas não definitiva, em cada momento de sua existência. Cada ato meu é absolutamente meu, eu estou aqui sendo eu mesmo na minha essência, no meu modo e na minha presença com vocês.
Isso nos leva à questão do olhar fenomenológico, que é um aprofundamento daquilo que se mostra como se mostra.
Olhar para o profundo é se aprofundar no sentido próprio do que se mostra. O raso não é da coisa, porque ela se mostra como ela é na inteireza dela. É o nosso olhar que pode ser mais razo ou mais profundo. O olhar profundo é compreender o sentido do que se mostra.
Muitas vezes se confunde esse olhar com eu fazer, metodologicamente, uma enumeração do que eu vejo ou cair no relativismo. Eu diria que fazer, por exemplo, uma enumeração da frequência do comportamento é possível e diz respeito ao homem,mas diz respeito à dimensão do homem considerado como um sistema previsível, que o homem é também. Ao fazer contagem de frequência de comportamento, estou alcançando o homem na sua dimensão de entidade determinável.
O homem e´, nesse aspecto, aquele que, em cada instante da sua vida, vive de uma maneira absolutamente real o que lhe é determinado e que de alguma forma tem que lidar com isso.
O que quer dizer ter que lidar com isso? É ultrapassar a determinação? Não necessariamente. Se pensarmos na questão da Psicologia Hospitalar, na morte, na doença, temos que ultrapassar a doença que é uma dimensão nossa? Talvez ultrapassar a determinação seja, muitas vezes, acolher a minha finitude nessa existência.

A EQUIPE DE PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO PERGUNTA:
1 - Pensando na Psicologia Hospitalar e na sua necessidade de se defrontar com a questão do adoecimento humano, como a Fenomenologia considera os aspectos genéticos, hereditários ou biológicos ligados a aspectos existenciais?
Esses aspectos são as dimensões de determinação do homem. Como herdeiros ou cuidadores, nós nos vemos como estranhos para nós, com esses aspectos nos dizendo respeito. Essa estranheza é vivida porque esses aspectos nos trazem pertencimento: "Isto é teu!"
Não há uma maneira mais indubitável de nós dizermos algo a nosso respeito do que a nossa corporeidade. Talvez a expressão corporal seja o testemunho indubitável de uma urgência de sensibilização nossa. Quando caminhamos muito insensíveis ou cegos para conosco mesmos, talvez o contato mais rápido seja a doença, no sentido da corporeidade.
Além disso, na dimensão da doença, a imagem da doença é a morte, com toda a força que uma imagem tem. Muito mais do que uma metáfora, a doença não é como a morte, a doença é a morte. A doença não é uma metáfora da morte, ela é a presença da morte.
Isso é vivido por nós como imagem. E qual é o sentido de vivermos essa imagem com a doença? Qual é o sentido da nossa presença, que com a doença se mostra talvez pela primeira vez e de uma maneira indubitável? É a nossa finitude, finitude de presença e de possibilidades.
Clinicamente, a Fenomenologia não busca estimular, no contexto hospitalar, um movimento de superação da questão da doença. Busca escutar e estimular, no doente, um esforço de compreensão e resolução de sua existência a partir da doença. Essa seria a visão e a contribuição, no contexto clínico, da Fenomenologia. É acolher a doença como algo que me diz respeito, não só porque ela me acometeu, mas porque fala de mim, para mim e, a partir disto, eu vou obter novamente uma oportunidade de me colocar resolutamente em relação à minha pessoa. O que é que eu vim fazer aqui com os outros? Essa é a resolução da existência a partir da doença.
Há outro aspecto importante. A doença é também, neste contexto, uma expressão de sanidade. A doença é a expressão não só do impedimentode eu continuar sendo, mas principalmente um impedimento de eu continuar sendo como sempre fui. Ela não é apenas uma ameaça, talvez seja um convite para eu reconsiderar as direções eu tenho tomado na vida. É uma palavra surda, muda, mas tão intensa que não precisa dizer nada. Ela se torna nós mesmos, é a nossa relação conosco mesmos e faz com que nos voltemos para a nossa relação com a vida.
A doença não vem me propor algo. Eu me transformo nesse impedido. É muito radical, é a nossa palavra definitiva para nós mesmos.
Quando nos tornamos doentes, passa a haver um intercâmbio mais enriquecido entre as nossas possibilidades como homem e aquilo que realizamos na instantaneidade de nossa vida.
2 – Como a abordagem fenomenológica considera o processo de desenvolvimento humano?


Desenvolvimento supõe duas dimensões simultaneamente presentes em nós: a primeira é envolvimento, que é ser de um modo, eu sou deste modo; a outra dimensão é desligamento, viver, experimentar, ser um novo modo de ser.
Desenvolvimento humano é aprofundamento (envolvimento) e ampliação (desligamento) das questões existenciais de cada um. Portanto, para a Fenomenologia, desenvolvimento não quer dizer progresso, desenvolver-se não quer dizer ficar melhor, quer dizer aprofundar-se no modo próprio de ser e conseguir perceber as cruzes e as glórias deste modo de ser.
O outro modo de desenvolvimento humano é amadurecimento e superação de possibilidades existenciais. Com a percepção de que há um movimento de incorporação e transformação no desenvolvimento, o significado de desenvolvimento não pode ser confudido com progresso, melhoria das minhas possibilidades.
A EQUIPE DE PSICANÁLISE PERGUNTA:
1 – Como você descreveria o método ou a escuta daseinalalítica?
A palavra chave para essa questão é preocupação, como forma privilegiada do analista na relação de ser com o outro, o analisando.
Nosso trabalho como analistas é amadurecer em nós um modo de ser como pessoas, que tem como qualidade fundamental poder escutar verdadeiramente o outro e poder, nessa escuta, efetivamente estar com o outro, lembrando que cada um de nós tem as referências fundamentais da existência.
As referências fundamentais da existência são: ser e não ser, angústia e culpabilidade, ser no mundo, temporalidade e historicidade, e transcendência. A Fenomenologia busca iluminar o modo próprio de cada um poder ser e existir como humano, levando em conta essas reflexões.
Angústia quer dizer: sou eu, e somente eu, que vou ter que dar conta de mim mesmo, ninguém mais. Se alguém der conta de mim, o inferno se mostrará na sua expressão máxima.
Culpa ou culpabilidade não é sentimento de culpa. Eu sou aquele que tem que dar conta daquilo que me toca e, se me toca, eu vou responder. Culpabilidade é, portanto, o quanto eu fico em dívida com a minha sensibilidade para com o que se mostra. Culpa, ou culpabilidade, não é ter que dar respostas certas. É o sentimento de não estar dando respostas próprias, de não viver o que é o meu modo de responder.
Temporalidade e historicidade são outras referências. Temporalidade quer dizer o quanto eu consigo estar aqui presente, levando em conta dois aspectos simultaneamente: a finitude e a presença. Eu sou mortal e, portanto, quem eu sou agora é insuperável. Minha presença responde como companheira de minha finitude, conjuga-se com ela. Temporalidade nos remete à existência como ruptura, descontinuidade. Finitude e presença são ecos significativos da natureza instantânea de nossa existência. O instante é o convite irrecusável do meu existir como abertura para o novo e para a não retenção absoluta do já vivido.
Historicidade é a dimensão que revela como eu me aproprio da multiplicidade de instantes a que estou, necessariamente, submetido. É o caminho existencial que eu desenho, cujo o rosto identificável só se mostra no momento da angústia.
Transcendência é o modo como eu vivo de uma maneira significativa este instante que é tã concreto e direto em mim, isto é, que tipo de simbolização efetiva eu vivo dos instantes de agora. Transcendência é conseguir articular o infinito dos significados com os instantes aos quais nós estamos condenados. Nós não saímos nem dos instantes, nem da possibilidade de ultrapassá-los, através da significação. Transcendência é, portanto, um aprofundamento de sentido do vivido na simplicidade do instante.
A escuta daseinanalítica é uma maneira de você estar com o outro em que você escuta esse outro de uma maneira absolutamente verdadeira, voltada para o modo como ele dá conta destas dimensões. Cada um de nós, em cada ato, está dando conta dessas dimensões, está respondendo a elas. Trata-se de acompanhar como a pessoa está acolhendo estas determinações. Ela as aceita ou as rejeita? Ela realiza algum movimento em que a articulação, pertencimento e autonomia estã presentes? Estas são as faces, os modos de articular essas dimensões que nos caracterizam.
Sugiro, como olhar fenomenológico, que prestemos atenção aos simples e medíocres instantes em que somos. Eu nada serei se não pertencer a algo, e nada serei se não viver o eu mesmo. Como lidar com isso? Sendo eu mesmo no interior da familiaridade, eu mesmo no interior do já eternamente dado. Como é isto? Isto não pode ter uma resposta antecipada. É uma questão que vem ao nosso encontroe, na análise, nós vamos acompanhar o movimento de cada um e, ao fazê-lo de uma maneira íntima e próxima, estaremos oferecendo ao analisando a possibilidade dele, assegurado de si a partir do já vivido, poder se lançar, na maior proximidade possível de si mesmo, para um instante original e próprio.
Compreender o homem é compreender cada um como uma expressão absolutamente originall, irrepetível, de ser homem. Essa compreensão é necessária, mas não é suficiente. Além dela, é necessário acompanhar a particularidade histórica, factual da existência de cada um de nós. Porque no interior desta facticidade é que está sendo realizada a existência de cada um.
Na escuta daseinanalítica, não se trata de levar a pessoa a grandes significações gerais a respeito do homem, mas de viver significações no interior da simplicidade e factualidade da sua vida. A compreensão é um movimento absolutamente necessário para o nosso trabalho e é, no interior da existência concreta e simples de cada um, que ela vai poder ter uma repercussão, uma ressonância com consistência.
2 – Há algum tipo de preconnização em relação ao tempo da sessão? Duração relativamente fixa ou variável?
Vou dar uma imagem: "eu amo tanto você que viveria eternamente ao seu lado". Isto é uma imagem, é uma mentira factual, absoluta impossibilidade. O amor não é dissolução de si mesmo, é promoção de si mesmo com o outro.
Se o analista vive um amor pelo seu analisando, e amor quer dizer disponibilidade para, dentro das suas possibilidades, aprofundar-se com o analisando naquilo que ele busca, ele é um companheiro do analisando. Assim, há um tempo: cinquenta minutos, uma hora, uma hora e meia, duas horas, não importa, mas o tempo de encontro está dizendo que a minha disponibilidade é eterna com você enquanto estou com você, enquanto posso estar com você. Porque eu tenho também outras urgências como pessoa e estas urgências minhas têm a sua importância, o que não substitui aquelas que vivo com você. Eu amo você, com certeza, do modo que é o amor na sua versão mais fundamental: encantamento com aquele jeito de ser. Amar é isso, encantar-se com aquele jeito de ser.
Amar não é só um sentimento que me abre para o absolutamente original do outro, mas faz o outro descobrir o divino que ele é. Quem ama faz o outro perceber algo que ele nunca tinha percebido nele. É uma doação magnífica. E a nossa relação é mantida, sustentada por esse tipo de presença um para o outro.
A natureza de nossa presença é uma proposta de relação que o outro vai responder como der, puder, quiser. O tempo é uma expressão claríssima da nossa exsitência uns com os outros: tanto o meu amor por você está presente, como este amor não é a única dimensão com a qual eu sou na vida.
E eu diria que esta expressão do amor na relação do trabalho analítico não é uma particularidade restritiva do amar, é o amar na busca de sua maior purificação. Os nossos outros modos de amar uns aos outros é que ainda podem se confundir com necessidades. Não estou dizendo que no amar não há necessidades, mas não se resume a isto. O amar tem a simplicidade da graça,é de graça, amar é promover.
3 – A nosografia desempenharia algum papel na clínica daseinanalítica?
Se todos os homens são modos de ser, há uma possibilidade de estabelecer uma fronteira entre sanidade e doença? Se todos os modos de ser do homem são legítimos, e disto a Fenomenologia não abre mão jamais, como é possível estabelecer uma fronteira entre sanidade e doença? Se todos os homens são modos de ser, a Fenomenologia está considerando a doença como expressão direta da condição existencial. Mais do que distinguir a doença da não-doença, aproxima a doença da exsitência. Doença não é negação da existência, é uma possibilidade da existência.
Não se trata de estabelecer uma nova classificação nosológica. Trata-se de compreender o nosológico.
O único nosológico fundamental de todos nós é a esquizofrenia. O resto são variações. A esquizofrenia é expressão direta da condição humana. Não é negação, é expressão. Compreendemos esquizofrenia como uma luta sem pele, em carne viva, entre ser e não ser.
Isto é uma escolha em nós, viver a esquizofrenia? Com certeza, não. Ela vem ao nosso encontro quando algo que é tão simples e tão fundamental nos falta. O que faltaria a nós e que poderia fundamentar o nosso modo de ser esquizofrênico? Faltaria o outro. Como acontece? Quando aquelas pessoas que lhe dizem respeito em diferentes momentos da vida – podem ser os pais num certo momento, mas não necessariamente o são – estas pessoas não sabem o que fazer com a criança que veio. Têm simultaneamente, no mesmo gesto, rejeição e acolhimento, ódio e amor. O problema do esquizofrênico, que é o nosso problema como homens, não é viver ser o rejeitado. Na vivência esquizofrênica eu cheguei e ninguém efetivamente me percebeu nem me acolheu como eu sou. Não pude ter oportunidade de ocupar um lugar nesse mundo.
Na esquizofrenia eu vivo a angústia carnal de jamais saber quem eu sou e qual é o meu lugar no mundo. Mesmo que seja o dos malditos, eu, sendo maldito, ainda tenho um lugar. Mas a esquizofrenia é a absoluta incerteza. A vivência esquizofrênica é a plena explosão da angústia de ter que ser, sem poder ser. Todos nós vivemos grandes menntiras afetivas na nossa vida, mas a estrutura de história da relação de todos nós aqui não é a esquizofrenogênica, não tem esse modo no qual a ambivalência é o que predomina na relação.
É necessário compreender a esquizofrenia como uma possibilidade dos homens, de todos nós, em relação à qual o que estamos vivendo enquanto doença é, simultaneamente, um chamado às nossas possibilidades e uma limitação da nossa existência, um incômodo de continuar sendo como sou. Por exemplo, o modo obsessivo-compulsivo de ser pode ser considerado um aspecto nosológico? Pode, mas ao mesmo tempo pode ser visto como o único modo que aquela pessoa encontrou de incluir a ordem na absoluta vitalidade da vida. O obsessivo-compulsivo vive, com a maior intensidade possível, a explosão da vida. Por isso ele é tão certinho: se ele relaxar um instante, ele se desorganiza.
O obsessivo-compulsivo é aquele que lida com a questão da organização de um lado, e a explosão de outro, como dois aspectos que ainda não puderam entrar em harmonia. Ele só pode lidar com isso de uma maneira antecipadamente preventiva, para tentar conter a vitalidade da sua existência.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE:
Utilizando a leitura de "O Paciente Psiquiátrico" de Van den Berg: por que a Psicologia Fenomenológica nega a necessidade dos conceitos psicanalíticos, se ela se utiliza deles?

A Fenomenologia não considera os conceitos psicanalíticos como contestáveis. Afirma, aliás: a conceituação psicanalítica é absolutamente fidedigna ao que o homem vive. Não se trata, portanto, de contrapor à conceituação psicanalítica um outro conjunto de conceeitos que abarcaria melhor o que vive o homem. Os conceitos psicanalíticos como transferência, conversão e projeção são expressões, cada um deles, de dimensões existenciais.
A transferência, num olhar fenomenológico, é o modo pelo qual eu vivo a relação ser-com-o-outro. Ele é verdadeira? Com certeza. Chama-se transferência porque é mais uma ocasião de eu viver a minha concretude como pessoa para alguém. Eu quero ser real para alguém, e eu vivo isso no meu modo próprio de ser, que não é aquele ajustado, já confortavelmente instalado nas demandas sociais. São os meus problemas, as minhas faltas, os meus ódios, as minhas raivas, as minhas tristezas e as minhas saudades. Eu vivo o meu modo próprio de ser na especificidade desses sentimentos.
Então, transferência não é uma demanda equivocada, é um "pelo amor de Deus, olhe para mim". Nesse sentido, a transferência é um conceito que nasceu na Psicanálise e que tem a sutileza de perceber a importância, no contexto do trabalho, da relação transferencial. Porque já não se trata mais de um cliente, mas de você, que está aqui comigo como você mesmo.
A resposta do analista para a demanda que o analisando leva até ele não é corresponder como complemento, é compreender a legitimidade da sua demanda. Essa é a articulação que a Fenomenologia e a Psicanálise podem ter: a legitimidade da identificação do conceito e uma compreensão deste conceito como uma modalidade de realização da dimensão existencial.
Assim também a conversão para a corporeidade, para aquilo que se chama de sintoma. O que é isso, sob o ponto de vista fenomenológico-existencial? É a objetivação, no seu sentido mais puro, porque não há nada mais próximo e mais distantede mim do que o meu corpo. Ele fala sendo, ele não dialoga comigo, ele não responde a mim. Quando sou de um modo, ele expressa esse meu poder ser, meu modo de ser, do modo próprio dele.
Conversão diz respeito, para a Fenomenologia, a uma objetivação da nossa existência. O grau de complexidade de uma conversão equivale a eu poder falar com uma montanha. É difícil, eu preciso entrar no espírito da montanha, do corpo, do fígado, das pernas. Não é fazer grandes aprofundamentos, é compreender aquilo que se mostra: estou doente das pernas, não consigo andar. Quero andar e não consigo. O que o andar mostra diretamente? Andar é abandonar. Mas o que é o abandonar, o tchau, o adeus? É o ir, sair da eternidade do lugar e do instante. Para ter um olhar para isso é preciso olhar para o andar no sentido próprio dele.
Isso não é uma interpretação para além daquilo que o andar mostra. Existe uma briga entre Fenomenologia e não-Fenomenologia: "A Fenomenologia não interpreta." "Como não Quando você fala, isso não é uma interpretação?" Eu respondo: não, não é. Se interpretar é substituir uma coisa por outra, não é. Falar que o andar é abandono é falar do andar ele mesmo.
Falta agora a projeção. O que quer dizer a projeção, fenomenologicamente? Projeção é a expressão direta do que é meu e do qual eu ainda não tomei posse, mas que está amadurecendo em mim. Eu me vivo nos outros. É por isso que eu projeto algumas coisas e outras não, vivo a projeção de algumas coisas e de outras não. O amadurecimento de possibilidades minhas ainda não pôde ser vivido em mim como dizendo respeito a mim.
Como analista, eu convido o paciente a perceber em si aquilo que ele aponta em mim, ou aponta nos outros ou nas coisas.
Para terminar, quero indicar a absoluta necessidade de parceria da Fenomenologia com a Psicologia.
A Fenomenologia compreende a Psicologia como uma ciência que precisa ter a existência como permanente referência, sem a qual ela se transforma num mero jogo de curiosidades conceituais.
A Fenomenologia convida a uma articulação aberta, expressa entre a dimensão essencial e a dimensão factual a todo o momento. Ela articula o ôntico e o ontológico, permanentemente presentes.
O ôntico é aquilo que se mostra como se mostra, numa certa forma. O ontológico é o sentido disto que se mostra. O ontológico está aqui, sempre está no ôntico. O ontológico não é uma outra realidade. É o sentido daquilo que se mostra.
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