Você já parou para ver as "video-cassetadas"? Todo mundo conhece, são vídeos feitos em casa, que incluem momentos constrangedores, na maioria das vezes quedas, escorregões, tombos, entre outras coisas. Hoje em dia, isso passa em vários lugares, não só na televisão aberta, mas nos canais por assinatura e também na internet.
É curioso perceber nossas reações, são as mais variadas possíveis, quando as vemos: Algumas pessoas se deliciam, e riem muito; outras vêem como humilhação; uns aguardam pela próxima cena ansiosos, enfim, cada pessoa reage de maneiras específicas e particulares a esses programas.
No caso das cenas que privilegiem a humilhação, quedas, machucados, e até mesmo violência, e sexualidade, é possível estabelecer uma relação entre o interesse e o prazer de assistir a tais cenas, com o dominio perinatal da teoria Transpessoal.
Antes de entrar nesse assunto, gostaria de mencionar outro elemento importante, que nem sempre é considerado: o fato de saber que se está sendo filmado é capaz de alterar o comportamento dos protagonistas da cena? E também; por quê alguém escolhe não apenas filmar, mas também divulgar, enviar para a televisão ou para a internet as cenas de "video-cassetadas"? O que esses dois comportamentos têm em comum - a exibição de um ato para uma platéia, a dinâmica inseparável do "observado-observador", que também faz parte do domínio perinatal do inconsciente.
O que quero dizer é que assistir, produzir e divulgar essa categoria de videos não se origina apenas das motivações sociais e egocêntricas do campo contingencial, e do ambiente imediatamente observável. Nós não somos uma "tabula rasa" que é totalmente preenchida com os valores parentais e ambientais. Ao nascermos, já temos registros próprios da espécie, da cultura humana e da familia, que exercem influência sobre nosso comportamento e o modo como enxergamos e sentimos o mundo.
Existem aspectos mais fortes e presentes, que são de certa forma, alimentados por conteúdos inconscientes (de natureza perinatal, relativas aos aspectos biológicos e simbólicos do nascimento humano).
Justamente porque esses aspectos nunca encontram uma via autêntica de liberação e vasão, apenas situações incompletas na aparência e nos objetivos, esse tipo de comportamento necessita ser repetido exaustivamente, pois de alguma forma, a concretização desse sentido não pode ser realizada no cotidiano.
Ainda que alguns desses objetivos sejam benéficos, caso sejam a diversão, expressão pessoal, sentir-se observado e admirado, identificação com outros semelhante, entre outros, eles dificilmente chegam perto da intensidade e da realização plena dos aspectos que os motivam, ou seja, a morte e o renascimento psicoespiritual.
Por isso que muitas pessoas sentem um imenso vazio em suas vidas, muito embora elas possuam tudo que lhes traga felicidade - elas estão realizando apenas uma parte das suas motivações: são reconhecidas socialmente, trabalham honestamente, ganham o quanto podem sem passar necessidade, são ótimos amantes, excelentes profissionais e filhos exemplares.
Quem sabe, elas nunca viveram realmente uma morte psicoespiritual, que é morrer sem a morte física, mas o vazio que elas sentem traz justamente essa sensação de morte, que lhes é necessário para dar u sentido que falta à sua existência. Quando sentem esse vazio, seguem o "script" aprendido de preenchê-lo com o mundo externo: compras, adrenalina, vícios, tudo que lhes distraia e alivie a sensação de vazio. Paradoxalmente, tudo isso acaba trazendo a sensação de morte e vazio, pois no final o saldo continua negativo...
Isso vale para as video-cassetadas, e também para vários comportamentos repetitivos e aparentemente sem sentido, mas que nos dão muito prazer e felicidade na hora, mas no final parecem que não valeram e precisamos repetir.
O domínio perinatal do inconsciente consiste de padrões experienciais, ou matrizes. São assim chamadas "matrizes" com toda a razão, pois são as "fôrmas primordiais" de muitos comportamentos, valores, sentimentos e sensações físicas que vivemos no cotidiano. Foram descobertos a partir de pesquisas controladas de experiências de estados ampliados de consciência.
Tais estados costumam ser alcançados através de meditação, relaxamento profundo, uso de substâncias alucinógenas, rituais indígenas e xamânicos, jejuns prolongados, privação de sono, e até em crises espontâneas. Praticamente todas as filosofias orientais e milenares descrevem algum ou muitos desses padrões experienciais, que fazem parte do registro amplo da humanidade, e portanto, são acessíveis a todas as pessoas de todas as épocas e culturas.
Esse registro amplo foi chamado de "Inconsciente" por Sigmund Freud, e posteriormente, outro psiquiatra chamado Carl Jung chamou-o de "Inconsciente coletivo", por perceber que ele contém todos os padrões experienciais de toda a humanidade, não apenas o registro da vida biográfica individual, como Freud descobrira.
Recentemente, ou seja, em meados dos anos 1960, Stanislav Grof ,outro genial psiquiatra, descobriu que todas as pessoas sujeitas de laboratório para pesquisas psicodélicas, tiveram experiências de regressão ao útero materno e de renascimento psicoespiritual. Após centenas de relatos de casos, constatou que, além de sua compreensão psicanalítica freudiana ser limitada para explicar todas essas experiências embrionárias e relativas ao renascimento psicoespiritual, essas experiências provocavam profundas mudanças na visão de mundo daqueles sujeitos.
Tais mudanças incluiam: resignificação de traumas de tenra infância, de abusos sexuais, de comportamentos suicidas e auto-destrutivos, mudanças de estratégias de vida para uma vida mais simples e menos baseada em medos irracionais, entre outras. Em resumo, muitos casos clínicos considerados com poucas chances de melhora, pois já haviam sido atendido durante longos anos apenas com psicoterapia verbal ou psicanalítica, abordagem muito válida até hoje.
Depois dessa breve história realmente invejável para qualquer interessado no comportamento humano, Stanislav Grof deu continuidade às pesquisas e acabou estabelecendo pontes com outras abordagens que também compartilham de uma visão tanto humanista (que colocam o ser humano no centro do interesse da sobrevivência planetária) quanto multi-dimensional e consciencial (filosofias orientais e conhecimentos da chamada Filosofia Perene). O resultado é constatado e válido até hoje, em sessões de respiração e renascimento, e de terapia vivencial que utilizam abordagem corporal, psicodrama e psicossintese.
A Matriz Perinatal 3, como padrão, relativa a esse tópico de repetição, vazio existencial e video-cassetadas possui os seguintes parâmetros:
- Identificação com três personagens ao mesmo tempo: agressor, vítima e um terceiro observador
- Sensação de estar numa situação de luta, com a possibilidade de término e vitória
- Aspecto titânico: imensa carga de energia física, voltada para a sobrevivência do feto dentro do canal de parto - resulta em agitação, ansiedade e incapacidade de estar no presente, no mundo cotidiano.
- Dinâmica de antagonismo com a mãe / mundo / outros - sensação de uma "incurável" separação com relação ao mundo, necessidade de estar sempre lutando com adversários na cotidiano
- Elementos sexuais distorcidos, sadomasoquismo, submissão, estupro, contato com elementos biológicos, tais como sangue, urina, fezes, placenta - resulta em dificuldade de estabelecer vínculos amorosos, apenas relações baseadas no prazer imediato e sexual.
- Sensação de que "aqui" não está bom, mas com sacrifício se chegará ao paraíso,que está lá na frente, ou no futuro. Próximo do final, transição para a próxima matriz. - resulta em estratégias perdedoras, baseadas em evitar constantemente a morte do ego, em se estar sempre no controle e em sacrificar o presente para alcançar um objetivo que nunca realmente se concretizará.
Obviamente, nem todos os vídeos tratam de humilhação, agressão ou satirização. São acontecimentos trágicos e inusitados que se manifestam, e ficam em evidência. A questão não é meramente o conteúdo dos vídeos, mas sim o que se faz com eles. Como são exibidos, como aparecem de maneira muitas vezes repetitiva, sem a menor utilidade além de manter espectadores ligados no mundo externo. Qual a atitude de quem exibe e de quem assiste? Qual a filosofia de vida revelada na exposição e na espiação coletiva?