Google+ Psicologia Transpessoal e Fenomenologia Existencial: 17 de fev. de 2007

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Transpessoal, Transcendente, Sagrado, Espiritual, Intencionalidade...

Glossário:
awareness = estado de consciência, percepção
consciência = substantivo

Trecho traduzido por Antonio Vaszken, do livro:
"Phenomenological Inquiry in Psychology - Existential and Transpersonal Dimensions"
Edited by Ron Valle. 1998, Plenum Press, New York.

Capítulo: Awareness Transpessoal
Sub-item: Awareness Transpessoal / Transcendente

(...) Existem experiências ou certos tipos de "awareness", entretanto, que não parecem ser capturadas pelas reflexões fenomenológicas nas descrições das nossas conceitualmente reconhecidas e/ou pré-reflexivas experiências das coisas. Frequentemente apontadas como transpessoal, transcendente, sagrado, ou experiências espiritual, estes tipos de "awareness" não são exatamente "experiências", na maneira que normalmente dizemos, e nem são o mesmo que nossas sensações pré-reflexivas. A noção fenomenológica-existencial de intencionalidade é util para entendermos essa distinção.

Perceba que as palavras "transpessoal", "transcendente", "sagrado" e "espiritual" apresentam sutis diferenças. Por exemplo, "transpessoal" costuma se referir a toda experiência que é trans-egóica, incluindo tanto as realidades arquetípicas do inconsciente coltetivo de Jung quanto awareness trancendentes radicais. Enquanto que as noções de inconsciente coletivo se referem a estados mentais mais profundos ou além de nossa consciência de ego, "transcendente" se refere a uma completa soberania ou awareness de alma sem a menor tendência de se auto-definir em termos de qualquer coisa fora de si-mesmo, incluindo conteúdos da mente, sejam conscientes ou insconscientes, pessoais ou coletivos (awareness não só trans-egóica, mas trans-mental). Esta distinção entre awareness transpessoal e transcendente pode, de fato levar à emergência de uma "Quinta força" ou mais puramente, Psicologia Espiritual.

Voltando à psicologia fenomenológica-existencial, intencionalidade se refere à própria natureza ou essência da consciência, como ela se apresenta. Se diz que a consciência é intencional, querendo dizer que a consciência sempre contém um objeto, ou seja um objeto físico, outra pessoa, ou uma idéia ou sentimento. Consciência é sempre uma consciência de "algo" que não seja a consciência em si. Essa descrição / definição particular de intencionalidade implica diretamente a profunda, implícita interelação entre percebedor e o que é percebido, que caracteriza a consciência nessa abordagem. É essa inseparabilidade que nos permite, através da reflexão disciplinada (rigorosa), iluminar o significado que estava antes implícito e sem-linguagem para nós na situação vivida.

Awareness transpessoal / transcendente, por outro lado, parece de alguma maneira "a priori" desse domínio reflexivo / pré-reflexivo, se apresentando mais como um espaço ou chão de onde emergem nossas experiências comuns e senso-perceptivas. Esse espaço ou contexto se apresenta nessa awareness, entretanto, e é desse modo conhecida para quem a experiencia. Implícita nessa awareness, além disso, está a direta e inegável realização que este fundamental espaço não é do campo fenomenal do percebedor e do percebido. Ao invés disso, é numinoso, espaço unitivo de / para onde a consciência intencional e a experiência fenomenal, ambas se manifestam.

Pessoalmente, vim a reconhecer as seguintes 6 qualidades ou características da awareness transpessoal / transcendente (frequentemente através da meditação). (de "A Beggining Phenomenology of Transpersonal Experience"; Valle, 1989, pp 258-259)

1) Existe uma quietude e paz que sinto existirem como tais e, ao mesmo tempo, como "fundo" de todos os pensamentos, emoções ou sensações (corporais e outras) que podem surgir / emergir ou cristalizarem-se em ou vindo dessa quietude. Experiencio isto como um "é" (isness) ou "sou" (amness), o invés de um estado de "coisa" (whatness) ou "Eu sou isto ou aquilo". Esta paz é, pela sua própria natureza, nem ativa nem corporal. E é assim, anterior aos níveis pré-reflexivos e reflexivos da consciência.

2) Existe, penetrando em tudo, uma aura ou sentimento de amor por e contentamento com tudo o que existe, um sentimento que está simultaneamente na minha mente e no meu coração. Embora seja raramente forcada como um desejo específico por qualquer pessoa ou coisa, ele é em grande parte experienciada como uma energia interna intensa o "pressão" inspirada que anseia, e até "brada", por uma expressão criativa e apaixonada. Sinto uma inclusão de todos e de tudo do jeito que eles são, o que literalmente se funde numa paz profunda quando me vejo capaz de simplesmente "deixar tudo ser". Paz de espírito é, nesse caso, paz de coração.

3) Existindo como ou com a paz e amor, há uma diminuta e ausente sensação de Eu. O senso comum de "Eu estou pensando ou sentindo isso ou aquilo" se torna uma presença plena de "Eu sou", ou apenas, quando é numa forma mais intensa, um "Sou" (puro Ser no sentido Heideggeriano). O senso de "observador" e "aquilo que é observado" se dissolveu, pois já não há "aquele" para perceber como normalmente experienciamos essa identidade e relação.

4) Meu senso normal de espaço parece transformado. Não existe mais a sensação de "estar ali", de se estender e ocupar um espaço, mas, parecido ao item anterior, apenas Ser. Também, há uma perda da consciência do meu corpo enquanto uma coisa ou recipiente espacial. Esta perda alcança desde a experiência de distância das entradas sensoriais, até um esquecimento da existência do próprio corpo. É aqui que a minha sensação limitada de espaço corporal toca a sensação de infinito.

5) O tempo também é um pouco diferente do meu senso cotidiano de tempo linear. Tanto quanto o corpo é esquecido, não há pensamentos lutando no passado, nem indo para o futuro, horas de tempo linear são vividas como um momento, como o eterno Agora.

6) Explosões ou flashes de insights são partes frequentes dessa consciência, insights que não têm percebedor ou antecedentes conhecidos, mas que emergem como "total-emergente". Esses insights ou "visões" intuitivas contém algumas qualidades das experiências comuns (embora "mais leves", têm um senso de peso ou "conteúdo sutil"), mas inicialmente tem uma qualidade "outro que não eu" sobre elas.

Conforme fui reconhecendo tais qualidades ou dimensões no decorrer dos anos, passei a recontextualizar o conceito de intencionalidade da fenomenologia-existencial, ao incluir um campo de awareness que parecem ser inclusivos da naturueza intencional da mente, mas ao mesmo tempo, não o são. Pareceu-me necessário colocar uma "trans-intencionalidade" que aponta para essa consciência sem um objeto (Merrel-Wolff,1973). Percebi logo, como minha colega Steen Halling (comunicadora social) corretamente me apontou, que a consciência sem objeto é também consciência sem sujeito, e que consciência trans-intencional representa uma maneira de ser onde a separação de um observador e aquilo que é observado se dissolve, uma realidade de não (ou de algum modo, além) tempo, espaço e causalidade como normalmente a conhecemos.

Essa, para mim, é a ponte entre as abordagens humanistica/existencial e transcendente/transpessoal na psicologia, pois é aqui que se é chamado a reconhecer a distinção radical entre o campo reflexivo/pre-reflexivo e a pura consciência, entre processo racional/emotivo e awareness transcendente/espiritual, entre conhecimento intencional do finito e ser o infinito. Assim, a mente, e não a consciência por si, que se caracteriza pela intencionalidade, e é a nosso reconhecimento da natureza trans-intencional do Ser que nos chama a investigar essas experiências que claramente refletem ou apresentam essas dimensões transpessoais/transcendentes no explícito contexto dos métodos de pesquisa fenomenológicos.