Filosofia Fenomenológica-Existencial
(...) Como o criador da filosofia fenomenológica, Husserl articulou a idéia central de que a consciência é intencional, isto é, que a consciência humana está sempre e essencialmente orientada em direção a um mundo de significado emergente. Consciência é sempre "de algo". Ele argumenta que as experiências se constituem através da consciência e assim seria possível estudá-la rigorosamente e sistematicamente na base aquilo que aparece para a consciência - isto é, sua natureza fenomenal - quando um método apropriado de reflexão - ou seja, fenomenologia - seja aplicado. Além da explicação das experiências, que Husserl considera ser uma função da psicologia, também seria possível refletir sobre e articular a estrutura mais essencial da consciência, ou seja, fenômeno - como a intencionalidade , temporalidade, espacialidade, corporeidade, percepção, cognição e intersubjetividade, como fez de fato em Ideias (Husserl, 1962), e outros trabalhos posteriores. Como uma filosofia, fenomenologia se tornou o estudo reflexivo e explicativo das estruturas operativas e temáticas da consciência, ou seja, primariamente um método filosófico de explicar o significado do fenômeno da consciência.
A metodologia de Husserl começou com a "redução fenomenológica", ou "epoché", que envolve a tentaviva de se colocar todas as verdades sobre o assunto a ser estudado em suspensão, "entre parêntesis". Como apontado por Giorgi (1981), proceder sem este passo ao refletir sobre a experiência pessoal permite que se ocorra a "falácia-psicológica", por assim dizer, a probabilidade de que tais experiências possam ser julgadas através de vários preconceitos, desejos, vontades, motivos, valores, e outras influências. Foi dessa predisposição da "atitude natural" sem crítica , que Husserl quis se libertar para ver determinado assunto de uma posição o mais livre de pressuposições possível. Apenas quando se pôe entre parêntesis ou suspende-se tais preconceitos é que a atitude natural dá espaço a uma "atitude fenomenológica" mais disciplinada, onde é possível capturar estruturas essenciais da maneira como elas aparecem. Giorgi (1981, p. 82) descreve este processo:
Pôr entre parêntesis significa que se retira da mente tudo o que se sabe sobre um fenômeno ou evento, para que se possa descrever precisamente como ele é experienciado ... Husserl colocou a idéia da redução fenomenológica, que após pôr entre parêntesis o conhecimento sobre as coisas quer dizer que se está presente a todas as experiências em termos dos significados que elas contém para a consciência, ao invés de apenas aquilo que existe.
A verdade da atitude fenomenológica assim implica em não descrever algo em termos do que nós já sabemos de antemão ou pressumimos saber, mas em descrever aquilo que se apresenta como é para a nossa consciência exatamente como ela é. Esse movimento é fortemente formulado na frase "De volta às coisas mesmas !"
Segundo esta frase, as “coisas” para as quais a abordagem fenomenológica vai de encontro não são apenas “objetos” em si (no sentido realista ingênuo), mas sim no seu significado, dado pela percepção de uma multiplicidade de perspectivas e contextos. Sem mais suposições, o fenomenólogo põe “em suspensão” sua crença existencial, isto é deixa de assumir que o objeto existe separado da consciência que o percebe. Quando se suspende tal crença, o que fica é o fenômeno, a “pura aparência” que se apresenta à consciência. Por exemplo, quando eu como uma maçã, eu realmente a destruo enquanto objeto físico, mas ainda resta o fenômeno. De vários aspectos – que são, sua vermelhidão, sua substância, sua redondeza, assim como outras propriedades – podem se manter como objetos de contemplação para mim, como o que Husserl identificou tecnicamente como noema.
Alguns fenomenólogos questionam a possibilidade de se colocar em suspensão todas as características de uma maçã (ou de qualquer outro objeto de reflexão), entre eles Merleau-Ponty. De acordo com ele, um ponto de total ausência de suposições não pode ser garantido, porque enquanto deixamos de fora uma suposição, encobrimos muitas outras debaixo desta. Ele acreditava que nossos interesses vitais e envolvimentos com pessoas e coisas no mundo são uma característica fundamental, e não vão se permitir serem totalmente postas de lado. Por outro lado, considerava que o objetivo da redução fenomenológica era extremamente válido, ao encobrirmos nossas suposições e interrogá-las, podemos realmente avançar no entendimento do fenômeno em consideração.
As questões que guiam a pesquisa em fenomenologia filosófica seriam: Qual é a essência de tal fenômeno? Quais as condições de possibilidade para que o significado possa se constituir na consciência humana? Por causa da relação da fenomenologia com a intuição das essências, Husserl chamava-a de “ciência eidética”. Como qualquer ciência, buscava obter conhecimento duradouro e universalmente objetivo, separar o arbitrário e acidental do necessário e permanente, isto é, o essencial. Para conseguir tal coisa, Husserl (1962) exagerou o processo de põr entre parêntesis com um procedimento que ele denominou variação imaginativa. Com esse método, o objeto noemático tinha que ser variado pela imaginação, alterando-se seus constituintes para testar os limites da manutenção da sua identidade, e descobrir suas variantes.
Aplicando isso com a nossa maçã, começaríamos modificando seus vários aspectos em nossa imaginação, criando assim vários tipos de maçãs imaginárias. Enquanto algumas sejam vermelhas, como a que foi comida, outras seriam verdes e até mesmo uma maçã cor-de-rosa seria imaginada. Mesmo que não existam maçãs cor-de-rosa, isso é irrelevante, pois o que queremos descobrir é a estrutura essencial constituinte de uma maçã, e para tal temos de fazer aproximações. Podemos perceber que vermelhidão não é essencialmente das maçãs, pois a casca pode ser de variadas cores. Com trabalho e aprofundamento suficientes de variação imaginária, é possível delimitar a essência de um fenômeno como uma maçã, ou de qualquer outro fenômeno.
Com o tempo, os aspectos do fenômeno que podem ser eliminados e os que não podem ser eliminados sem alterar sua estrutura básica se tornarão evidentes. Como Gurwitsch (1964, p.192) escreveu:
“Através do processo de livre variação, essas estruturas determinam limites onde livres variações devem operar para tornar possível exemplos da classe em discussão. Esses não-variantes definem a essência ou eidos de tal classe, seja ele um eidos regional ou subordinado. Eles especificam as condições necessárias onde cada indivíduo da classe pode estar de acordo com um possível indivíduo desta classe.”
Husserl empregou a redução fenomenológica e a variação imaginativa livre para fins estritamente filosóficos. Ainda assim, ele acreditava que tais procedimentos poderiam ser aplicados em outras atividades, e delimitou alguns campos de atuação. Uma das maiores preocupações são as distinções que ele fez entre fenomenologia e psicologia, em três domínios de investigação. Como resumiu Spielgelberg (1960, p.152):
- Fenomenologia pura é o estudo das estruturas essenciais da consciência, incluindo seu ego-eu, suas ações e seus conteúdos – ainda que não limitados a fenômenos psicológicos – a partir da completa suspensão das crenças existenciais.
- Psicologia fenomenológica é o estudo dos tipos fundamentais de fenômeno psicológico nos seus aspectos meramente subjetivos, sem incluir suas conexões no contexto objetivo do organismo psicológico.
- Psicologia empírica é descritiva e o estudo genético das entidades físicas em todos os seus aspectos como parte ou parcela do organismo psicofísico: assim como suas formas são uma mera parcela do estudo do homem, isto é, da antropologia.
Edmund Husserl (1859 – 1938) redefiniu a Fenomenologia primeiramente como um tipo de psicologia descritiva a depois como uma disciplina eidética básica e epistemológica para estudar essências. Ele é conhecido como o "pai" da Fenomenologia.
Eidos significa imagem ou forma. Eidético vem do grego eidetikos relacionado à imagem.
Existential-Phenomenological Philosophy
(...) As the originator of philosophical phenomenology, Husserl articulated the central insight that consciousness is intentional , that is, that human consciousness is always and essentially oriented toward a world of emergent meaning. Consciousness is always "of something". He argued that experiences are constitued by consciousness and thus could be rigorously and sistematically studied on the basis of their appearences to consciousness - that is, their pheonomenal nature - when as appropriate method of reflection - that is, phenomenology - had been worked out. Besides the explication of experiences, which Husserl considered to be a pshychological project, it would also be possible to reflect upon and articulate the most essential structures of consciousness - that is, phenomena - such as intentionality, temporality, spatiality, corporeality, perception, cognition, and intersubjectivity, as he in fact did in Ideas (Husserl, 1962), and other later works. As philosophy, phenomenology had thus become the reflective study and explication of the operative and thematic structures of consciousness, that is, primarily a philosophical method of explicating the meaning of the phenomena of consciousness.
Husserl´s methodology was to begin with the "phenomenological reduction", or "epoche", which involved the attempt to put all of one´s assumptions about the matter being studied into abeyance, to "bracket" them. As Giorgi (1981), pointed out, to proceed without this step when reflecting upon personal experience leaves one to open to the "psychologist falacy," namely, the likelihood that one´s judgement about such experiences will be biased by various preconceptions, wishes, motives, values, and other influences. It was just this bias of one´s uncritical "natural attitude" that Husserl wished to free himself fomr, in order to view a given topic from a position as free of presuppositions as possible. Only when the bracketing or suspending of such preconceptions had been achieved was the natural attitude said to give way to more disciplined "phenomenological attitude" from which one could grasp essential strutures as they themselves appear. As Giorgi (1981, p.82) describes this process:
Bracketing means that one puts out of mind all that one knows about phenomenon or event in order to describe precisely how one experiences it ... Husserl introduced the idea of the phenomenological reduction, which after bracketing of knowledge about things means that one is present to all that one experiences in terms of the meanings that they hold out of for consciousness rather than as simple existents.
The assumption of the phenomenological attitude thus implies that we do not describe something in terms of what we already know or presume to know about it, but rather that we describe that which presents itself to our awareness exactly as it presents itself. This movement is crisply formulated in the phenomenological imperative : "Back to the things themselves !"
By this dictum, the "things" toward which the phenomenological gaze struggles are no longer "objects" as such (in the sense of naive realism), but rather their meaning, as given perceptually through a multiplicity of perspectival views and contexts. Along with other presuppositions, the phenomenologist puts his or her existential belief "out of action", that is dispenses with the belief the object exist in and of themselves, apart from a consciousness that perceives them. When this belief is suspended, what remains is the phenomenon, the "pure appearence" that presents itself to consciousness. For example, when I eat an apple, I effectivelly destroy it as a physical object, and yet it remains as a phenomenon. Its various perspectival views - that is, its redness, its juiciness, its roundness, and its other properties - can remain as a matter of contemplation for me, as what Husserl identified technically as noema.
By this dictum, the "things" toward which the phenomenological gaze struggles are no longer "objects" as such (in the sense of naive realism), but rather their meaning, as given perceptually through a multiplicity of perspectival views and contexts. Along with other presuppositions, the phenomenologist puts his or her existential belief "out of action", that is dispenses with the belief the object exist in and of themselves, apart from a consciousness that perceives them. When this belief is suspended, what remains is the phenomenon, the "pure appearence" that presents itself to consciousness. For example, when I eat an apple, I effectivelly destroy it as a physical object, and yet it remains as a phenomenon. Its various perspectival views - that is, its redness, its juiciness, its roundness, and its other properties - can remain as a matter of contemplation for me, as what Husserl identified technically as noema.
Whether or not it is possible to put into abeyance all of one´s presuppositions about an apple (or any other item of reflection) is questioned by some existential-phenomenologists, among them Merleau-Ponty. According to him, a totally presuppositionless vantage point cannot be secured, because as we put one presupposition out of action, we uncover more hidden ones beneath it. He believed that our vital interests and existential involvement with people and things in the world are of a fundamental character and will not allow themselves to be entirely undercut. Nevertheless, he considered the aim of the movement of the phenomenological reduction to be an extremely fruitful one, for by uncovering our presuppositions and interrogating them, we can clearly advance our understanding of the phenomenon under consideration.
The questions that guide research of philosophical phenomenology would be: What is the essence of this phenomenon? What are te conditions of possibility for the constitution of meaning by human consciousness? Because phenomenology had to do with the intuition of essences, Husserl sometimes called it an "eidetic science." Like any science, it aimed to provide lasting and objective-universal knowledge, to separate the arbitrary and accidental from the necessary and the permanent, that is, the essential. To accomplish this aim, Husserl (1962) augmented the process of phenomenological bracketing with a procedure he called free imaginative variation. With this method, the noematic objetc was to be varied in imagination by altering its constituents in order to test the limits within which it retained its identify, so as to discover its variants. Applying this to our earlier example of the apple, one would begin by modifying its various aspects in our imagination, so as to engender a manifold of imaginary apples. Although some will be red, like the one that was eaten, others would be green, and even a purple apple could be imagined. That we don´t find purple apples in actual experience is irrelevant at this stage, for what we want to discover is the essential structure and the essential constituents of an apple, and to do so we need to consider the possible alongside the actual. Already we can see that redness does not belong essentially to apples, although a skin may be any of various colors does.
In principle, with a sufficiently throughgoing and deep-reaching imaginary variation, it should be possible to delimit the essence of a phenomenon such as our apple, or of a phenomenon of any other sort. Eventually, those aspects of the phenomenon that could be and could be not eliminated without altering its basic strutture would become evident. As Gurwitsch (1964, p.192) wrote:
"By means of the process of free variation, these strutures prove variant by determining limits within which free variations must operate in order to yield possible examples of the class under discussion. These invariants define the essence or eidos of this class, either a regional or a subordinate eidos. They specify the necessary conditions to which every specimen of the class must conform to be a possible specimen of this class."
In the main effort of his work, Husserl employed the phenomenological reduction and free imaginary variation for strictly philosophical pursuits. Nevertheless, he believed these procedures could be applied to other tasks, ad he delimited some relevant domains of inquiry. Of the greatest concern to us are the distinctions he rovided between phenomenology and psychology, which were conceived in terms of three separate and necessary domains of investigation. As summarized by Spiegelberg (1960, p.152):
Pure phenomenology is the study of the essential structures of consciousness comprising its ego-subject, its acts, and its contents - hence not limited to psychological phenomena - camed out with complete suspension of existential beliefs.
Phenomenological psychology is the study of the fundamental types of psychological phenomena in their subjective aspects only, regardless of their embeddedness in the objective context of a psycological organism.
Empirical psychology is descriptive and genetic study of psychical entities in all their aspects as part and parcel of psychophysical organism : as such it forms a mere part of the study of man, that is, of anthropology.
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Extraído de / From : Phenomenological Inquiry in Psychology-Existential and Transpersonal Dimensions (edited by Ron Valle) - Plenum
Edmund Husserl (1859 – 1938) redefined phenomenology at first as a kind of descriptive psychology and later as an epistemological, foundational eidetic discipline to study essences. He is known as a "father" of phenomenology.
The word eidetic comes from the Greek word είδος (eidos), which means "image" or "form".