Google+ Psicologia Transpessoal e Fenomenologia Existencial: 2007

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O Eu: Processo ou Ilusão? - James F.T. Bugental (trechos)

Em Busca da Própria Identidade
 
Para muitos de nós, a experiência da perda de todos os o que de nossas vidas é equivalente à morte. O que fazemos é a expressão do nosso ser, a qual pode facilmente tornar-se a medida e a soma do nosso ser.
Vou esclarecer este ponto em poucas palavras. O "eu", que é o processo ativo da pessoa, é muito diferente do "me" ou "mim", que se compôe dos atributos que a pessoa possui. Por uma questão de conveniência, referir-me-ei ao Eu-processo, por um lado, e ao Eu-atributo (isto é, "me", "mim" ou "a mim"), por outro lado, que acredito serem aspectos muito distintos de cada um de nós (Bugental, 1965, Capítulos 11 e 12).
O Eu-processo é puro sujeito, puro processo e não tem qualidades substantivas intrínsecas. O eu-processo é o "fazedor" ativo e cônscio. O Eu-atributo é puro objeto, exclusivamente atributivo e substantivo. Não tem consciência, pois trata-se, simplesmente, de um construto por nós criado a partir das nossas experiências. Falamos impensadamente do "eu" e do "mim" como se fossem idênticos. Isto é uma falácia do mesmo tipo que confunde o motorista com seu carro.

Razões Para Distinguir o Eu-Processo do Eu-Atributo

A distinção é de enorme importância por muitas razões. Primeiro, quando as nossas identidades dependem do "mim" ou Eu-Atributo, somos passíveis de acabar vinculados ao passado. Segundo, o quadro objetivo de referência, que é o quadro do Eu-Atributo, é muito vulneável e, portanto, o nosso bem-estar pode correr perigo ou até ser derrubado pelas circunstâncias. Finalmente, a confusão dos aspectos subjetivos e objetivos do nosso ser tende a criar dificuldades nas relações interpessoais e a acarretar sentimentos de autoconfiança e amor-próprio diminuídos. Examinemos cada uma dessas considerações em maior detalhe.
Ao aspecto objetivo da pessoa chamamos o Eu-Atributo (self). Possivelmente, seríamos mais precisos se falássemos de um Eu-conceptual ou eu-Construto. É o Eu tal como o observamos. Assim como acabamos por formar um "conceito de mesa" pelo fato de vermos muitas mesas diferentes, também desenvolvemos um conceito de mim através de muitos anos de observação de eu mesmo.
Formamos gradualmente os nossos conceitos sobre que espécie de pessoa somos e, irrefletidamente, pressupomos ser essa a única maneira em que podemos ser. Assim, estar "dependente" de si mesmo é viver pelo seu passado em vez de viver a sua vida presente. O que é fresco passa despercebido ou, pior, é convertido no que é cediço e rançoso ; o que oferece nova oportunidade só é visto em termos familiares e rotineiros e o que liberta é confundido com mais outra restrição.
Em resumo, o Eu-Atributo é uma espécie de album de recortes onde guardamos tudo o que vimos de nossas vidas. Dota-nos com um sentimento de continuidade. É frequentemente útil quando se procede a escolhas automáticas e sem importância. É certamente bem recompensado pelas pessoas que nos cercam, porquanto constitui a base da coerência de comportamento que nos torna mais estáveis e compreensíveis aos olhos dos outros. (...)

O Eu-Atributo é valioso, mas só tem utilidade quanto a o que é, um registro de o que foi. Quando permitimos que se torne a base de determinação do presente, perdemos a nossa vitalidade e tornamo-nos enfadonhos, sem criatividade. Há um aforismo que diz "A estrutura é a secreção do processo." Eu gostaria de parafraseá-lo dizendo: "O Eu-atributo é a secreção do Eu-processo." (...)
Cumpre-me esclarecer aqui um assunto. Expressamos o nosso ser e as nossas identidades, por certo, através das nossas ações, mas essa expressão não é a mesma coisa que o nosso ser ou identidade. Sou eu quem está escrevendo este capítulo. Entretanto, o que escrevo aqui não é a minha identidade. Sou o processo de escrever - isto é, o processo de pensar, sentir, escrever, rever. Mas não sou apenas essas coisas nem sou o conteúdo específico de qualquer ou todas elas. isto não significa que não tenha responsabilidade pelo conteúdo do que digo. Tenho essa responsabilidade, mas, repito, essa responsabilidade não me define. Assim, se o processo de escrever estas palavras e de ver-me depois diante delas desafia algumas das minhas idéias, como espero que aconteça, poderei escrever algo diferente na próxima semana sem sentir por isso que a minha identidade está ameaçada. A razão reside no fato de eu ser um processo em desenvolvimento constante, não um processo que acontece uma vez e depois se imobiliza numa estrutura.
(trechos retirados do livro: Psicologia Existencial-Humanista - Thomas C. Greening, 1975, Rio de Janeiro, ZAHAR ED.)

Extraido de "Ken Wilber´s Spectrum Psychology - Stanislav Grof"

Neste trecho, Stanislav Grof rebate algumas críticas de Ken Wilber a respeito do conceito de perinatal. Ele explica que o perinatal não é uma mera revivência de um estado fetal em si mesmo, mas uma regressão de um adulto com todas as faculdades mentais, e personalidade, que passou por todos os estágios do desenvolvimento, e uma re-conexão com o cosmos. É um olhar adulto para as experiências fetais, que juntos formam um todo integrado.

Versão em português

(...) Ridicularizando a idéia de que a regressão ao útero promove insights místicos, Ken usa a imagem de um carvalho e de sua semente original. Ele argumenta que a regressão ao estado fetal não pode mediar um estado místico verdadeiro de união com o mundo, mais do que a união de um carvalho com suas folhas e raízes ou tornar-se um com a floresta, ao identificar-se com a semente original. De acordo com ele, a "união original", vista como o útero ou como a participação pré-histórica de culturas primitivas não é uma união, mas uma indiferenciação.(...)

(...) Expondo de uma maneira mais adequada a natureza das experiências perinatais e dos insights que eles mediam, o carvalho do exemplo de Ken teria de regredir até a sua semente original, e enquanto experienciar sua identidade carvalho/semente, tornar-se simultaneamente consciente de seu contexto inteiro que envolve o cosmos, natureza, o sol, o ar e a chuva. Também estaria associado com um senso de "imersão social" na floresta, descendo na linhagem de todos os carvalhos e sementes anteriores a ele, assim como seu desenvolvimento da semente até a forma do carvalho atual. Um importante aspecto de tal experiência seria a conexão com os arquétipos de Mãe Natureza ou Mãe Terra com a energia criativa e divina que permeia todas as formas.(...)

(...) De qualquer forma, Ken não compreende a natureza das experiências perinatais se ele as vê como nada além de uma repetição da experiência do feto. Sua principal crítica é que a regressão ao pre- e perinatal não podem trazer revelações sobre a existência, porque “o feto no útero não tem consciência do mundo total, da moral inter-subjetiva, artes, lógica, poesia, história e economia” (Wilber 1995, 775). Eu não vejo, porém, como isso pode fazer alguma diferença, uma vez que ao discutir as experiências perinatais, não estamos falando sobre o feto, mas de um adulto revivendo as experiências do feto. Tal regressão é vivida por uma pessoa com personalidade diferenciada e faculdades intelectuais que incluem e integram o desenvolvimento através dos fulcruns pós-natais. Essa quantidade enorme de informação não se perde durante a experiência regressiva, mas se torna parte integral dela. Certamente podemos conceber que os ENOC (estados não-ordinarios de consciência) facilitam uma nova integração criativa, de todas as estruturas com o domínio transpessoal, facilitando o desvelamento de novas estruturas. Mecanismos semelhantes exerceram um papel importante para revelações religiosas, assim como para descobertas científicas e inspirações artísticas.(Harman 1984)

English version

(...) To ridicule the idea that regression to the womb could convey genuine mystical insights, Ken uses the image of an oak and the acorn from which it came. He argues that the regression to the fetal state cannot any more mediate a true mystical union with the word than an oak can unify its leaves and branches or become one with the forest by identifying with the original acorn. According to him, the "original union," whether conceived as the actual womb or as the prehistorical participation mystique of primitive cultures is not a union, but an undifferentiation.(...)


(...) To more adequately portray the nature of perinatal experiences and the insights that they mediate, the oak of Ken's simile would have to regress to the original acorn and, while experiencing its oak/ acorn identity, become simultaneously aware of its entire (acorn and oak) environmental context involving the cosmos, nature, the sun, the air, the soil, and the rain. This would also be associated with a sense of its imbeddedhess in the forest and its descent from a line of preceding oak trees and acorns, as well as its entire development from the acorn to its present form. And an important aspect of such an experience would be its connection with the archetypes of Mother Nature or Mother Earth and with the creative divine energy that underlies all of the above forms.(...)

(...) In any case, Ken severely misunderstands the nature of perinatal experiences if he sees them as nothing but a replay of the actual experience of the fetus. His main objection is that regression to the pre- and perinatal state cannot convey any revelations about existence, because "the fetus in the womb is not aware of the whole world of inter-subjective morals, art, logic, poetry, history, and economics" (Wilber 1995, 755). I do not see, however, how this makes any difference, since in discussing perinatal experiences, we are not talking about the fetus, but about an adult who is reliving the experiences of the fetus. This regression is experienced by an individual with differentiated personality and intellectual faculties that include and integrate the development through all the postnatal fulcrums. This vast amount of information is not lost during the regressive experience and forms an integral part of it. It certainly is conceivable that the NOSC facilitates an entirely new creative integration of all structures with the transpersonal domain, thus facilitating the unfolding of still new structures. Similar mechanisms have played an important role not only in religious revelations, but also in many scientific discoveries and artistic inspirations (Harman 1984).

Uma Interpretação Perinatal de Experiências de Quase-Morte Assustadoras- Christopher M. Bache

Um Diálogo com Kenneth Ring por Christopher M. Bache, Ph.D.

Uma Interpretação Perinatal 
de
Experiências Assustadoras de Quase-Morte (EQM)


RESUMO: Embora esteja de acordo com várias conclusões de Kenneth Ring, proponho uma interpretação mais compreensiva das experiências assustadoras de quase-morte (EQM). Critico a interpretação das EQM sem-sentido e vazias como reações de emergência e argumento que todas as três formas de EQM assustadoras - invertida, infernal, e vazias-sem-sentido - são melhor compreendidas com suas raizes no nível perinatal da consciência. Expando a descrição de resistência do ego à morte como a causa destas EQM, e desenvolvo as implicações gerais de uma leitura perinatal das EQM assustadoras. Finalmente, introduzo e exploro paralelos com a experiência da "noite negra da alma".

Qualquer um familiarizado com o trabalho de Stanislav Grof não pode deixar de se tocar com os paralelos fenomenológicos entre a sintomatologia perinatal (Grof, 1975, 1985, 1988) e experiências de quase-morte assustadoras (EQM) (Atwater, 1992; Grey, 1985; Greyson e Bush, 1992; Irwin e Bramwell, 1988; Rawlings, 1978). Estes extensos paralelos sugerem que o conceito do nivel perinatal de Grof pode conter uma chave importante para o entendimento dessas EQM enigmáticas. Kenneth Ring está ciente destes paralelos e os discute na sua análise das variedades vazias e sem-sentido de EQM neste artigo, "Resolvendo a Questão das Experiências de Quase-Morte Assustadoras" (1994). Sua análise é profunda e produtiva, e acredito que os paralelos com a experiência perinatal são muito mais amplos do que ele reconheceu.

Os paralelos experienciais sugerem que todas as três formas de experiências de quase-morte assustadoras têm raízes no nível perinatal da consciência. Gostaria de fazer, agora, uma apresentação mais completa dessa proposta. Começarei com uma revisão dos pontos mais importantes da experiência perinatal, segundo a descrição de Grof (1975, 1985, 1988).

Conteúdo Temático Restrito e Universal
Em contraposição à variedade de temas e questões que caracterizam o nível psicodinâmico da consciência, o conteúdo do nível perinatal é bem restrito. Ele se foca nas experiências problemáticas universais e endêmicas da condição humana. Tais temas são: nascimento, dor física, doenças, envelhecimento e morte. É um reservatório que agrega e armazena os reminscentes não-digeridos de tais experiências desafiadoras da nossa existência física e psicológica.

Altamente Condensado
No nível perinatal o inconsciente se organiza em sistemas altamente condensados (sistemas COEX), que armazenam nossas experiências em agregados de temática semelhante, as chamadas Matrizes Perinatais Básicas (MPBs) I até IV.Quando esse nível é ativado, não são apenas as experiências individuais e medos que são acessados, mas padrões altamente sedimentados e comprimidos de memórias e medos, o resíduo destilado de padrões comportamentais de uma vida inteira. Pela energia de um sistema COEX ser a energia cumulativa de todos os seus componentes, tais encontros são extremamente poderosos e arrebatadores.

O Repositório da Ilusão de Existência Separada
Sendo a intersecção entre as dimensões pessoal e transpessoal da consciência, o nível perinatal contém tanto aspectos pessoais quanto transpessoais. Não é apenas o nível fetal da consciência, mas um modo operacional de consciência onde o pessoal e o transpessoal se misturam, juntando seus padrões organizacionais e estruturas. Dada essa natureza híbrida, nossa descrição do perinatal varia se olharmos do ponto de vista pessoal ou do ponto de vista transpessoal da equação.

Da perspectiva pessoal, o perinatal parece ser o porão do inconsciente pessoal, onde se armazenam os fragmentos não-digeridos das experiências que mais seriamente ameaçaram a nossa integridade física e psicológica. É o repositório dos maiores desafios da nossa existência. Pequena maravilha, então, que experiências fetais pareçam tão grandiosas aqui, como derivações de um período do nosso desenvolvimento onde estivemos mais vulneráveis e afetados pelo nosso ambiente.

Da perspectiva transpessoal, entretanto, o domínio perinatal se parece diferente, e aqui descobrimos interessantes pontos em comum com “Um Curso em Milagres”(1975). Do lado transpessoal, o domínio perinatal se parece com o núcleo residual da insanidade vivida pela existência atomizada. É o depósito das nossas tentativas individuais e coletivas de viver a mentira da separação, fingir que existimos como seres autônomos, isolados da tapeçaria da exsitência. Ele representa a maior ignorância filosófica e doença psicoespiritual. O nível perinatal consolida a identidade de um indivíduo e de uma espécie inteiras, que ainda não usaram suas próprias awareness para penetrar nas raízes da existência, onde se descobriria sua conexão com toda a vida.

Da perspectiva pessoal, as experiências perinatais criam a forma de ser atacado e atacar de volta, de matar e ser morto, até – eventualmente estarmos completa e totalmente destruídos. Conforme vamos fazendo a transição para a perspectiva transpessoal, entretanto, essas mesmas experiências se descobrem como amorosas tentativas de nos salvar nos nossos esforços inúteis de nos separarmos do imenso fluxo da própria vida. Ataques impiedosos de uma perspectiva é libertação piedosa sob outra perspectiva. Não estamos sendo mortos de jeito nenhum, mas sendo nascidos para uma realidade que é maior, mais fundamental e mais “real” que a realidade física. A discussão de Ring sobre “Jacob´s Ladder (Rubin, Lyne, e Marshall 1991) vai direto nessa direção. Aliás, este filme pode ser visto como um roteiro da dimensão perinatal.

(continuação)


Padrões de experiências perinatais

Nas matrizes II até IV, o indivíduo enfrenta as maiores causas ou raízes do desespero existencial, solidão metafísica e sentimentos profundos de culpa e inferioridade ; mas as nuances e o foco dessas confrontações variam em cada fase, e seguem uma sequência de desenvolvimento.

Na Matriz II o sujeito costuma experienciar assaltos arrebatadores à aquilo que ele ou ela são totalmente indefesos. Torturas sem chances de escapatória, ele ou ela são colocados em um grandioso desespero metafísico. A existência parece totalmente sem sentido, e sentimentos de culpa, inferioridade e alienação são vividos com uma distinta qualidade de desesperança. Esta é a primeira matriz que costuma aparecer em contextos terapêuticos.
(Nota do tradutor: antes da matriz II, ainda existe a matriz I, que se refere ao estado inicial do bebê dentro útero antes do início do trabalho de parto. A Matriz II é o primeiro estágio do nascimento, por assim dizer.)

Na Matriz III a maioria dos temas presentes na Matriz anterior estão presentes, mas com uma diferença essencial. Como agora existe uma certa chance de escapatória - a cérvix está dilatada - começa uma luta titânica por sobrevivência. O encontro com o fogo purificador que destrói tudo que é ruim ou corrupto no indivíduo, é uma experiência que costuma aparecer com frequência.

Na Matriz IV, o sujeito pode perder a necessidade de sobrevivência e experienciar uma completa morte-do-ego. O mundo dele ou dela entra em colapso, com a perda total de referências significativas. Depois de morrer como um ego, ele ou ela experienciam renascimento para um modo de consciência trans-individual. Todos os tormentos cessam repentinamente e se seguem experiências de redenção, perdão, e amor profundo. Tais experiências são aprofundadas em uma direção mística, enquanto o indivíduo é tomado por vivências de unidade cósmica, características da Matriz I (Grof, 1975).

O processo de morte e renascimento nunca se completa em uma única sessão, e muitas sessões onde as mesmas questões são retomadas, até que todo o conteúdo perinatal esteja esgotado. O padrão usual é que o sujeito trabalhando nesse nível, vai eventualmente experienciar uma crise perinatal cada vez maior, que centraliza todas as fases em uma única fase. Enfrentando e resolvendo a crise, eventualmente vai levar a pessoa para experiências transpessoais positivas como conclusão, mesmo que o conteúdo perinatal possa aparecer em futuras sessões. No estágio final de uma sessão, as pessoas podem experienciar dificuldades de "reentrada" ou de retorno ao nível de consciência cotidiano e não-ampliado, se ficarem empacados em material psicodinâmico ou perinatal não totalmente resolvidos (Grof, 1980). (Este padrão se assemelha às observações de James Linley, Sethyn Bryan a Bob Conley (1981) de que experiências negativas costumam ocorrer no início e no final de E.Q.M.) Se o processo é continuado em múltiplas sessões, uma experiência final de morte-renascimento vai poder consumir todo o material perinatal, e em sessões posteriores o indíviduo vai acessar experiências transpessoais diretamente.





(...) Esse foi mais um trecho do texto "A Perinatal interpretation do frightening near-death experiencies: A Dialogue with Kenneth Ring", de Christopher M. Bache.

Veja um trecho anteriormente publicado desse mesmo texto: aqui
Previous posted part of this article: here
BZ - Viagem Alucinante (Jacob´s Ladder) - saiba mais aqui

A PATOLOGIA COMO MODO DE SER: UM ESTUDO DE BINSWANGER SOBRE A EXCENTRICIDADE

Por Nichan Dichtchekenian

Ludwig Binswanger é um psiquiatra suíço, nascido em fins do seculo XIX e, portanto, presente na primeira metade do século XX. Ele vem de uma família de médicos psiquiatras, avô e pai, que eram responsáveis e mantinham um sanatório na Suíça, do qual Ludwig foi herdeiro e diretor muitos anos. Além disso, manteve sempre um intercâmbio vivo e atualizado com outros psiquiatras da sua época e também com psicanalistas, como é o caso de Freud, com quem cultivou, durante muitos anos, um contato de amizade e de discussões profissionais.

Mas um acontecimento teve importância decisiva na vida intelectual e profissional de Binswanger : foi a leitura de “Ser e Tempo”, de Martin Heidegger. A reflexão de Heidegger ofereceu a Binswanger uma verdadeira e definitiva chave para a compreensão e a abordagem do fenômeno psiquiátrico. A partir daí, Binswanger encontra o instrumental adequado e riquíssimo para compreender o ser humano, sem que ele seja indevidamente confundido, na sua essência de ser, com outros entes que são estudados pela ciências. Binswanger encontra na Fenomenologia uma referência nova de método e, portanto, de conteúdo de estudo.

Esta é uma colocação muito cara à Fenomenologia : cada ontologia, cada concepção de ser de um ente, estabelece, automatica e necessariamente, um caminho para alcançá-lo, um método.

Para o estudo do Homem como Homem, naquilo que lhe é próprio e intransferível, esse caminho recebe o nome de método fenomenológico.

O método fenomenológico, por ser um modo descritivo e compreensivo de aproximação em relação ao Homem, modo este cujo o único pressuposto ontológico é o de permitir que o fenômeno humano fale por si mesmo, constata, nessa expressão do humano, que o Homem é, em todas as circunstâncias e momentos de sua vida, existência, isto é, ser-no-mundo.

A concepção do Homem como existência é a grande contribuição que o método fenomenológico empresta ao saber do Homem a respeito do próprio Homem.

Esse método, voltado para o Homem, constata que a sua essência de ser é existir. Isso indica : ser para fora, abertura para, acolhimento de, sensibilização por. Tudo isso é existir.

Existir é o conteúdo revelado a respeito do Homem pelo método fenomenológico.

Existir é tanto uma abertura, quanto a realização de um destino. O destino não é algo pré-estabelecido, mas vai se constituindo no decorrer mesmo dessas aberturas para.

O nome que essa constituição de um destino recebe na Fenomenologia, nas palavras de Binswanger, é o de biografia existencial, que é o perfil das diferentes aberturas para, e portanto, das escolhas que o Homem vive durante sua vida e cujo desenho constitui um sentido. Fenomenologicamente isto é a expressão da historicidade.

Acompanhar fenomenologicamente a história de uma vida é acompanhar as rupturas e as escolhas feitas e vividas por uma pessoa. História, para a Fenomenologia, não é a apreensão de um passado já constituído, mas o acompanhamento vivo das transformações quanto ao modo de ser e ao sentido de ser que o Homem vai contituindo durante a sua vida.

Para Binswanger, o sentido que a existência adquire, e que vai se tornando claro nos momentos críticos de transformação, recebe o nome de tema.

Então, existir não é compreensível apenas pela sua dimensão de disponibilidade e abertura, mas como realização orientada para um determinado destino.

A maneira de nós vivermos cada instante da nossa vida é sendo no mundo, vinculando a nossa subjetividade, isto é, a nossa maneira própria de nos abrirmos, a um mundo que está aí nos solicitando um posicionamento de ser. E se nos solicita é porque nos diz respeito.

A subjetividade, abordada fenomenologicamente, em nenhum momento da vida humana adquire um status de auto-suficiência, porque a sua constituição como tal se dá a partir de sua abertura para o mundo. Mas isso não quer dizer que a subjetividade se dilui no mundo. O seu contato com o mundo faz dela uma dimensão madura e caracterizadora de uma pessoa.

O Homem, em todos os gestos vividos por ele, inclusive aqueles da quietude e da reflexão, é ultrapassamento de si mesmo, é subjetividade vinculada a um mundo, abertura originária ao mundo.

Isso indica que uma plena entrega do Homem ao instante vivido, o leva inevitavelmente para além de si mesmo, isto é, para além de um modo absoluto de encarar as verdades reveladas até então. Cada instante é uma oportunidade para uma renovação do sentido de ser e de mundo, não orientada para destruir o já adquirido, mas para ressituar o seu novo valor.

Todos os comportamentos humanos, incluindo os psicopatológicos, são modos-de-ser-no-mundo, isto é, maneiras como uma subjetividade se liga, está aberta, está referida ao mundo. Porque mesmo o modo fantasioso e delirante de ser é uma maneira de viver a relação com o mundo, no caso, de uma maneira imaginativa e solitária.

O modo assim chamado de psicopatológico de ser não é um modo equivocado e errático de ser no mundo. É um modo de ser no mundo que precisa, em última análise, romper a insuportável e insustentável solicitação de contato.

O contato, no modo patológico de ser, é extremamente ameaçador porque todo contato implica em acolher em si algo novo e diferente, que vem do outro. O modo patológico de ser não conta com a segurança de ser si mesmo, que ofereceria a garantia de não ser invadido nem destruído pelo que vem do outro.

Binswanger vai nos trazer uma descrição e um esclarecimento do modo-de-ser-no-mundo daqueles que sofrem de uma psicopatologia, especificamente, no nosso caso de hoje, do modo de ser excêntrico no mundo.

Hoje nós não vamos abordar nem esgotar todos os aspectos presentes no estudo da excentricidade, mas apenas aqueles que dizem respeito a excentricidade como um modo de ser no mundo.

Para iniciar o nosso estudo sobre a excentricidade, vamos nos valer de um exemplo de um comportamento excêntrico, e iremos estudá-lo segundo o modo das ciências de uma maneira bastante resumida e segundo o modo analítico-existencial de uma maneira mais aprofundada, compreendendo o exemplo como um modo de ser no mundo.

Vamos ao exemplo:
Um pai pôe debaixo da árvore de Natal um caixão para a sua filha cancerosa.

Bem, acho que é bastante evidente que o comportamento desse pai provoca em nós espanto, estranheza, horror, uma tendência ao julgamento, uma rejeição. Fica evidente também, para nós, uma absoluta inadequação do comportamento do pai para com a filha.

Esse espanto e esse horror é que tornam possível a nomeação que as pessoas fazem desse tipo de comportamento, surgindo uma série de expressões para designar o excêntrico: ele tem um parafuso mal girado ou mal enroscado, ele está enrolado torto, girado ao contrário, retorcido, curvo; é uma pessoa com o espírito de través, desarmônico, desadaptado, desgracioso, grosseiro, cheio de arestas. É alguém que vive o mundo do través, o mundo sem encanto, sem leveza, o mundo das coisas forçadas, do trato difícil, um mundo onde nada se desenvolve suavemente, mas tudo sai torto e de través, dando errado.

Essas expressões com as quais nomeamos um comportamento excêntrico são verdadeiras num certo sentido : elas revelam que o modo de ser excêntrico não se ajusta no trato humano. É um modo de ser que cai fora das relações das pessoas umas com as outras. É um modo de ser que irrita profundamente a outra pessoa que não é excêntrica, que a frustra muito intensamente. Faz com que a outra pessoa considere o excêntrico como intratável, impenetrável, incomunicável.

Contudo apesar de reveladoras, essas expressões ainda são insuficientes para esclarecer o caráter humano do modo de ser excêntrico.

Ao nos voltarmos, com Binswanger, para a clínica psiquiátrica, vamos com a esperança de que ela vá realizar esse aprofundamento satisfatório para o esclarecimento da excentricidade. O que encontramos na clínica é porém um conjunto variado de descrições e conclusões que não nos oferecem a possibilidade de estabelecer um conceito articulado e claro da excentricidade.

Binswanger mostra que a abordagem clássica tradicional que a psiquiatria faz está completamente invadida por noções científicas, pré-científicas e de senso comum. Não é que não haja um sentido. Não há é um clareamento do sentido. Falta para a abordagem da psicopatologia a dimensão ontológica, falta a dimensão essencial, que é aquela que a filosofia nos oferece como maneira de percebermos o que é um modo determinado de ser, que é a expressão ontológica daquelas manifesações recolhidas pela psicopatologia.

Binswanger indica que a psiquiatria apoiada na ciência natural, encontra especial dificuldade para a caracterização da esquizofrenia. Ela não se deixa capturar nem reduzir a um conjunto de sintomas.

H.W.Gruhle, psiquiatra alemão, em seu livro “Psicologia da Esquizofrenia”, 1929 diz que a esquizofrenia e a excentricidade são deliberadamente invulgares e que aí estaria a chave para a sua compreensão: “O esquizofrênico quer opor-se, toma sempre uma posição esquerda. Muito embora não seja totalmente anti-social, é no entanto contrário às tradições, anti-convencional.” (pg.30) (...)“Assim, entendo sua excentricidade (do esquizofrênico) como um fator expressivo, a saber, da completa alteridade, do isolamento, da solidão – de certo não somente como expressão involuntária, mas como um desvio deliberado. É como se o esquizofrênico fizesse, aqui da necessidade uma virtude, não para se vingar da sociedade mas apenas a fim de, por assim dizer regalar-se, dar largas às suas energias em sua maneira peculiar de ser.” (pg 31)

Binswanger constata que há uma grande riqueza numa descrição como esta. Falta-lhe, porém, a consideração de que esses conteúdos vividos pelo excêntrico são modos de ser de uma pessoa no mundo, de um ser-aí, e portanto devem ser abordados como modalidades existenciais.

Esquizofrenia é um modo de ser, é uma maneira de lidar com os conteúdos. É onde o caráter de humanidade mais está presente, onde uma maneira de ser muito característica aparece. Ela é um modo de viver determinadas formas de ser; ela é uma maneira de ser.

Essa questão não fica restrita à esquizofrenia, ela ecoa por todos os cantos da psicopatologia.
Podemos afirmar, então, que toda patologia é modo de ser.

Quanto á excentricidade – uma forma de comportamento esquizofrênico – o saberes que a psiquiatria, seguindo o método das ciências naturais, nos oferece (descrições de características do comportamento do excêntrico) não evidenciam a relação que o excêntrico estabelece com o mundo e que torna possível o aparecimento, no excêntrico, dessas características.

O que a psiquiatria faz é considerar que a pessoa é uma entidade autônoma e isolada, que carrega em si, no nível de sua subjetividade própria, um modo de ser que determina a natureza da sua relação com o mundo. Para a psiquiatria clássica, o Homem ainda é visto na sua essência como um ente que pode ser compreendido de um modo isolado em relação ao mundo, como um pólo psíquico autônomo, quanto à sua vinculação originária com o mundo.

Para a Fenomenologia, não é o pólo psíquico que determina a relação do Homem com o mundo, mas é a relação do Homem com o mundo que, desde o primeiro instante, estabelece uma maneira de ser, uma certa subjetividade.

Mas precisamos examinar agora a pretensão da Fenomenologia Existencial de dar conta da excentricidade de uma maneira articulada e profunda, através do conceito de ser-no-mundo.
E o que é ser-no-mundo, condição originária do existir de todos os homens?

Antes de mais nada, isso quer dizer que nós vivemos um sentido claro e articulado do mundo em que estamos. Isso é o que Heidegger chama de “circunvisão organizadora” : o mundo, a cada instante da nossa vida, é uma totalidade que possui um sentido e que, de alguma maneira, provoca em nós vivências de curiosidade, vivências de contemplação e vivências de mobilização.

Essas vivências, próprias de um habitar o mundo como nosso lugar de existir, são vivências em que a nossa presença no mundo é um relacionarmo-nos com ele sob a forma de fazermos uso dele naquilo que ele pode nos dizer respeito para uma determinada finalidade, que também nos diz respeito. A isto, a Fenomenologia Existencial dá o nome de “relação instrumental com o mundo”, isto é : a forma primordial de ser no mundo é a do uso através do qual os elementos do mundo dão conta das necessidades do homem e se dão a conhecer a ele.

A percepção do sentido do mundo que o Homem vive faz com que ele não esteja unidirecionalmente presente no mundo, no sentido que qualquer aspecto do mundo percebido por ele pode ser enfrentado e compreendido na sua especificidade.

Todos os homens vivem um mundo ao qual pertencem e estabelecem alguma relação de uso com ele, portanto, vivem um mundo como provisão de suas necessidades e como cenário de seu saber.
O modo de ser-no-mundo da excentricidade é o de fazer um uso excessivo dos elementos do mundo, forçando o seu sentido original e também, a partir disto, frustrando qualquer compartilhamento para esse modo de fazer uso de um elemento do mundo.

Antes de passarmos a identificar esta e outras características da excentricidade no exemplo que enunciamos do pai com sua filha cancerosa, é importante notar que a nossa presença no mundo nunca se dá de uma maneira solitária e isolada. Nós sempre estamos no mundo a partir de outros com os quais estamos vinculados – nossos pais, nossa família. Sendo assim, o nosso ser no mundo é compartilhado, no sentido ou da convergência ou da divergência com os outros, que necessariamente estão ao nosso lado nos diferentes momentos do nosso existir.

Assim, seria mais justo substituirmos a expressão ser-no-mundo pela expressão ser-no-mundo-com-os-outros, porque não há, rigorosa e fenomenologicamente falando, um existir desvinculado dos outros. Embora cada um de nós tenha que se haver com o próprio destino, isso implica necessariamente em desdobramentos e consequências em relação aos outros.

É essencial para o estudo do modo de ser excêntrico do pai do nosso exemplo, notar como a sua existência como pessoa está comprometida e estreitada a partir da frustração de relacionamento que o seu comportamento provoca. O prejuízo de relacionamento que este pai tem com sua filha não é secundário, mas essencial na caracterização do modo excêntrico de ser.

Nas palavras de Binswanger: “Ao dar seu presente de Natal, o pai abre a comunicação com a filha, “Vem ao seu encontro” num convívio. Pois o presente é, em princípio, um abrir-se em comum que envolve uma participação recíproca. Mas aqui – e é isso que é decisivo para a excentricidade – o passo que se dá para o espaço aberto do convívio é anulado pela própria escolha do presente, mais ainda, não somente anulado mas, convertido em seu oposto. Quer dizer : a participação em comum no presente (no sentido em que este implica um presentear e um ser presenteado) converte-se numa total falta de participação da parte da pessoa presenteada. Mais ainda : o ser-presenteado converte-se num ser-ofendido. Ou “com” do convívio que estava à vista, de repente desaparece. Tocamos assim a particularidade essencial da excentricidade, sua verdadeira essência : o tema “presente de Natal” vai aqui muito além de um ponto compatível com sua própria consequência, o querer dar uma alegria com o presente, ou seja, vai além do convívio, ou melhor, passa por cima dele. Quando isso ocorre, como em nosso exemplo, a consequência do tema deixa de ser consequência ! Aqui, ao passar por cima do convívio, por cima da participação em comum em algo comum, a consequência do tema transmuta-se em seu contrário, em inconsequência. Eis aqui o verdadeiro ponto de ruptura, o ponto em que a “tensão” do tema se converte em “exagero, exaltação” e o tema “se rompe em pedaços”, o ponto em que a direção retilínea da “abordagem explicitadora, guiada pela circunvisão organizadora, da coisa providenciada” de repente se torna uma linha torta ou subitamente se poe de través. Ou, para lembrar a perífrase da excentricidade com a maluquice do “gira” : aqui, ao colocar o caixão sob a árvore de Natal, a consequência do tema “presente de Natal para a filha cancerosa” é girada além do limite até o qual ainda se podia preservar o convívio : ele é forçado ou girado, torcido errado. Como o parafuso torcido errado, ele não pode mais ser torcido, mas fica cada vez mais “entalado” quanto mais forçamos. Com esse excesso ou erro no girar ou torcer da consequência através da anulação do convívio, a consequência do tema converte-se numa penosa consequência (Szilasi), penosa em duplo sentido : no sentido da pertinácia com que é percebida pelo pai, por um lado, da afronta feita ou anulação do convívio, por outro lado. Há meios para preservar a participação comum na coisa comum – nós os denominamos consideração, cortesia, tato – e há meios para dificultar ou obstar a mesma – nós os denominamos negligência, falta de tato, falta de consideração, afronta, insulto.

Este é um trecho elaborado por Binswanger e nele podemos acompanhar com clareza o método fenomenológico como caminho para percorrer e alcançar a existência deste pai. Ao descrever os comportamentos do pai, em nenhum momento Binswanger se remete à dimensão psíquica dele, como possível fonte de inteligibilidade. Estabelecer um psíquico no Homem é, sob o ponto de vista fenomenológico, criar um obstáculo difícil de ser ultrapassado : é conceder ao Homem, em nome de uma originalidade ontológica equivocada, uma natureza isolada e desvinculada do mundo e dos outros. Aliás, conceder um psíquico ao Homem, como fonte dos acontecimentos vividos por ele, é considerar que o psíquico é o plano da realidade do Homem e que seus comportamentos no mundo com os outros são consequências deste plano. Resta saber como, sendo essa a condição humana, a de um ente fechado em si mesmo pelo psíquico, o que é real psiquicamente corresponde ao que é real no mundo com os outros. Esta é uma situação embaraçosa para um pensamento que ainda se guia pelo princípio filosófico de que um essência de ser é única e exclusivamente a substancialização de um ente, no caso, o Homem.

Ao acompanharmos Binswanger, percebemos claramente que ele situa os comportamentos do pai no contexto e estrutura de ser-no-mundo-com-os-outros. Assim, o presente caixão faz parte da situação de mundo Natal e é destinado, já que é um presente, à alguém, o presenteado. Além disso, um presente não é apenas um objeto dado com indiferença a alguém, mas para dar alegria e satisfação ao presenteado. Tudo isso é realizado pelo pai e levado em conta por ele : “É Natal, época de dar e receber presentes, tenho uma filha a quem presentear. E escolho um presente para dar a ela”. Mas a situação real como um todo não se esgota aí : sua filha está com câncer, com a morte se mostrando iminente. Isto também é parte essencial da situação, levada em conta pelo pai, que, a partir daí dá um caixão como presente de Natal à filha.

Neste momento, quase por “instinto” da época em que vivemos, perguntaríamos o “porquê” desta escolha de presente pelo pai. Binswanger nem esboça um movimento nessa direção : o método fenomenológico pede que Binswanger fique atento ao que “aparece, tal como aparece”, isto é, ao fenômeno humano de “festa de Natal para um pai e uma filha muito doente” e, acompanhando o comportamento do pai, constata sim que o pai escolhe um presente para esta ocasião de Natal, escolhe um presente especialmente para esta filha dele, e, por ser um caixão, rompe com duas características inerentes à situação total “festa de Natal” : a primeira, a de tirar da filha a possibilidade de usufruir do presente e a segunda, a de impedir que a filha pudesse, junto a ele, alegrar-se e compartilhar com ele dessa alegria. A primeira característica rompida pelo pai tira a filha da situação de presenteada de Natal, e a segunda suprime os sentimentos de alegria nela e cria uma distância e não comunicabilidade entre ele e a filha.

Além deste acompanhamento do fenômeno, Binswanger se aprofunda nos desdobramentos sobre o modo como o excêntrico vive o tempo, isto é, como ele temporaliza e o modo como ele vive o espaço, espacializa. Assim, o excêntrico vive o “tempo vazio”, o tempo sem transformação real e efetiva porque absolutiza-se em um conceito, uma idéia, sem levar em conta as características peculiares de uma determinada situação, tornando frustrada a eclosão de um novo momento.

E, também vive um espacializar onde o lugar das coisas do mundo é totalmente indeterminado e totalmente possível. As relações de pertinência que o excêntrico faz de uma coisa com outra são livres, não fixas, não compartilháveis pelos outros. – Isto é diferente da originalidade de criação da arte, que de algum modo alcança a compreensão dos outros como uma nova proposta de sentido.

E todo esse trabalho realizado por Binswanger, que aqui nós apenas trouxemos alguns aspectos, em nenhum momento escorrega para a busca de possíveis processos ou estruturas psíquicas pré-estabelecidas que estariam ocorrendo simultaneamente aos comportamentos do pai.

Para finalizar, quero ressaltar que essa forma de trabalho – a patologia como modo de ser – tem implicações institucionais e políticas claras : faz da loucura uma possibilidade de ser Homem e, também sem querer “sarar” os loucos, busca integrá-los à comunidade humana, considerando-a como uma maneira de existir.

Experiências Holotrópicas

O termo "holotrópico" foi criado por Stanislav Grof para diferenciar os estados alterados de consciência comumente conhecidos pela medicina e psiquiatria acadêmicas, dos estados ampliados de consciência. Esses últimos, objetos de suas pesquisas, podem ser denominados holotrópicos, quando apresentam uma alteração qualitativa de consciência, no sentido de disponibilizar conhecimentos intuitivos e de arquétipos do inconsciente coletivo, que proporcionem auto-conhecimento genuíno e transformador.

No modo holotrópico, ao contrário dos estados simplesmente alterados, não ocorre desorientação espaço-temporal. A pessoa sabe exatamente quem ela é, onde está, e além disso tem acesso a conteúdos simbólicos e não-verbais, dos tipos biográficos, perinatais e transpessoais, com riqueza de detalhes, físicos e emocionais. É capaz de reviver as experiências do seu passado ou mesmo se transportar para uma outra dimensão, sem perder o contato com a realidade concensual.
Os estados alterados (tais como embriaguez alcoólica, intoxicação neurológica e/ou química por drogas e doenças degenerativas), nem sempre são estados ampliados de consciência (tais como estados meditativos profundos com o uso ou não de drogas psicoativas, experiências de pico, exp. de quase morte, transes hipnóticos, transes xamânicos, emergências espirituais espontâneas ou provocadas, etc.).
Em função de as experiências e os estados holotrópicos não serem encarados como "normais" pela medicina ortodoxa, muitas vezes são confundidos com psicoses ou surtos. Se faz necessária uma experiência pessoal daquele profissional de saúde que tenha a intenção de compreender e trabalhar com os estados alterados de consciência, para que possa reconhecer e diferenciar imediatamente um surto psicótico de uma experiência holotrópica ou espiritual genuína. Muitas vezes quando mal diagnosticados, tais tipos de experiências holotrópicas ou espirituais, talvez possam se tornar psicoses, caso não se permita a manifestação e vivência plenas dos conteúdos inconscientes.
As experiências holotrópicas em geral, ocorrem em estados alterados de consciência, seguindo uma ordem ou prioridade. Conforme vamos nos aprofundando e avançando no processo de auto-conhecimento, mais nos aproximamos das experiências transpessoais.

Holotrópico vem do grego "holos" e "trepein", que quer dizer em direção à totalidade, orientado à totalidade. É um tipo de alteração de consciência onde se alcança uma ampliação das capacidades de percepção, pensamento, intuição, memória. Através dessa ampliação é possível acessar um modo onde uma sabedoria ou "radar interno" guia um processo de cura pessoal.
De uma maneira resumida e sintética, temos cinco tipos de experiências, a partir de observações de sessões de Respiração Holotrópica (MR):

0. Experiências estéticas e de padrões geométricos, com os olhos abertos ou fechados, visualização de cores. Tais padrões visuais e estéticos não contém nenhum significado ou sentido, servem apenas para sinalizar a entrada da consciência em um estado ampliado.
1. Experiências físicas, vivências de traumas físicos (operações, cirurgias, acidentes), tensões físicas, couraças musculares. O corpo é o meio mais facilmente acessado, em primeiro lugar, através dessa e de outras práticas com a respiração. Através do contato com os traumas, tensões e couraças musculares, ocorre uma auto-consciência corporal, e a partir daí, consciência de si mesmo, das emoções e pensamentos, que se podem (ou não) se manifestar em conjunto com as experiências físicas.

2. Experiências da vida após o nascimento, traumas psicológicos, experiências de infância até os dias atuais, fantasias inconscientes. Não são apenas lembranças, mas revivências, onde todos os dados sensoriais podem ser revividos: sensações físicas (cores, cheiros, gostos, sons), além dos sentimentos e emoções. A revivências dessas experiências permite uma compreensão da totalidade, até então incompleta para o sujeito.

3. Experiências perinatais, relacionadas com a gestação até o nascimento biológico. São alguns dos tipos de experiências mais ricas, intensas e fascinantes que se pode experienciar. Podem ser extremamente agradáveis ou intensamente desagradáveis, ou intermediárias; mexem profundamente com a nossa compreensão a respeito de quem somos, de onde viemos, para onde vamos, e onde estamos, pois lidam com as questões fundamentais da existência (vida, morte, finitude, dor, culpa, sexualidade, agressividade, amor).

Experiências perinatais (peri = ao redor, próximo) e (natal = relativo ao nascimento): revivência do nascimento biológico, sensações, sentimentos, impressões, alterações na percepção do ambiente, do próprio corpo e da realidade. Não limitam-se a uma mera regressão ao estado fetal. Em geral, a identificação com o feto é acompanhada de fortes emoções, muito mais intensas do que aquelas vividas na vida cotidiana, ainda que sejam bem conhecidas. Tais emoções atraem imagens de outras situações, verídicas e/ou fantasiosas, e arquetípicas, onde existe a identificação simultânea com outros grupos, em situações semelhantes às dificuldades enfrentadas pelo feto dentro do canal de parto. Revivendo tais detalhes, sob a nova perspectiva adulta, podemos compreender não só o nosso nascimento e vinda ao mundo, mas também as sensações e sentimentos mais instintivos que não são muito bem compreendidos pela mente racional, por possivelmente serem resquícios daquilo que experienciamos durante o nascimento, e que durante muito tempo ficaram sem o nosso conhecimento. Medo irracional e sem sentido, raiva, ansiedade, são alguns dos sentimentos que podemos reviver. Quando bebês, não temos linguagem para interpretar o que sentimos pela primeira vez durante o nosso parto, mas revivendo esses momentos primitivos, sob a perspectiva adulta, podemos compreender melhor o que sentimos.

4. Experiências transpessoais, de identificação com outras pessoas, outras espécies (animais, vegetais, minerais, processos da natureza), transcendência dos limites temporais e espaciais. Fazem parte do inconsciente coletivo. Não se restringem a imagens individuais ou pessoais, mas a símbolos coletivos, arquétipos, além de acesso a conhecimentos intuitivos a respeito de processos naturais, biológicos, modos de percepção de outras gerações, civilizações, espécies. O acesso a essas experiências não faz com que a pessoa fique permanentemente identificada com o aspecto coletivo, muito menos que ela deixe de ser ela mesma, por assim dizer. A percepção de uma expansão da própria identidade, de um campo mais individual para um campo mais vasto e coletivo, é em geral, muito positivo e libertador.
Pode-se concluir que segundo essa categorização, os traumas psicológicos são menos importantes do que traumas físicos. As experiências de infância, adolescência e da vida adulta são revividas, tanto experiências boas quanto as ruins. Temos uma tendência a focar em experiências ruins e negativas, mas as experiências boas também podem ser revividas, e assim, serem revisitadas sob uma nova perspectiva.

DIREITO DE RESPOSTA - A FENOMENOLOGIA - PROFESSOR NICHAN DICHTCHEKENIAN

DATA: 26 / 08 / 2002 às 17:00 h
Local: Auditório 239 PUC/SP


Como uma breve introdução a este encontro, o primeiro dentro do projeto do PET de promover o debate entre as diferentes propostas em Psicologia, sob o ponto de vista epistemológico,gostaria de começar afirmando que a Fenomenologia, em termos de Epistemologia, se coloca da seguinte forma: qual é a questão com a qual nós vamos viver um aprofundamento e a pretensão de um saber, a partir do qual um método vai ser buscado?

Na Psicologia ligada ao homem, toda proposta epistemológica precisa ser pensada, constituída, discutida a partir do homem ele mesmo.

Nós vamos estudar não só aquilo que aproxima os homens de todos os outros entes com os quais ele convive, mas vamos também procurar a especificidade do homem como ente ele mesmo.

Os parâmetros metodológicos para que nós possamos aprofundar e desenvolver um saber, uma pesquisa a respeito do homem, têm que estar fundados nessa especificidade, que não tem um caráter especial diferenciador enquanto valor, mas como algo que lhe é privativo, que lhe é próprio.

Essa especificidade permite encontrar aquilo que fundamentaria uma Epistemologia que fosse de encontro a esse ente, cujo nome é Humano.

A Fenomenologia aponta para a necessidade de se estar permanentemente voltado para o homem como tal e de a Epistemologia ser uma expressão do contato do pesquisador com o homem.

Sendo assim, a noção de Ciência muda um pouco. Há, nos últimos anos, uma noção de Ciência uniformizada demais. Confunde-se fazer Ciência com um certo número de procedimentos padronizados. A metodologia consagrada e conhecida dentro das ciências se adequa ao homem em muitos aspectos com certeza, mas uma metodologia que diga respeito ao homem ele mesmo pode não coincidir com essa noção de que Ciência seja um conjunto de procedimentos padronizado.

A Fenomenologia propõe que nós pensemos a Ciência em outros moldes, como um procedimento rigoroso e não padronizado, e o rigor diz respeito a uma busca de aproximação entre o procedimento e aquilo que se está pesquisando.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE: Não ficou bem clara para mim a diferença entre rigoroso e padronizado.
Numa reflexão fenomenológica da Epistemologia, devemos repensar o lugar do padronizado no saber. Nós, muitas vezes, nos voltamos para o padronizado como se ele fosse algo a ser ultrapassado. Talvez ele não seja apenas isso. Ele é também aquilo que, em nós, nós habitamos. O padronizado é o confortável.
O rigor que a Fenomenologia pede e propõe, como o modo científico do saber, não consiste no abandono do padronizado, do familiar, do confortável, mas na percepção do sentido fundamental que se anuncia no fenômeno. O rigor, portanto, é o enfrentamento do sentido de ser, a partir e além do familiar.
A EQUIPE DE SÓCIO-HISTÓRICA PERGUNTA:
1-A realidade, para a leitura Sócio-histórica na Psicologia, é socialmente constituída pelos indivíduos que a constroem. Ao mesmo tempo, é uma realidade independente de cada um desses sujeitos,tendo uma materialidade que deve ser necessariamente estudada para a compreensão da subjetividade de cada indivíduo. Como isto se aproxima ou se contrapõe à proposta fenomenológica de estudo da relação entre o homem e a sociedade?
Dentro do olhar fenomenológico, o social é uma dimensão originária e fundante do homem. O social não é uma dimensão posterior à constituição do homem como tal, é o momento originário da constituição do homem como homem. Sob o ponto de vista fenomenológico, a estrutura existencial significativa que expressa essa dimensão fundante e constituinte do homem que nós identificamos como o social é a dimensão do humano enquanto ser com o outro.
Ser com o outro indica primordialmente, uma sensibilidade natural do homem para com o outro que lhe é diferente. Essa sensibilidade coloca o homem, desde o início da sua presença, diante da questão do outro como irredutível a ele mesmo. O outro já lhe é dado como um acontecimento.
Desde o começo de sua presença, porque o outro já lhe é dado como um acontecimento, o homem se encontra frente à questão da relação, que quer dizer impossibilidade de reduzir um termo pelo outro. Por mais que haja movimentos que busquem absorver um termo pelo outro, cada um dos termos se mantém diferenciado do outro.
Então, o social é uma dimensão da existência que é absolutamente inalienável de nós. O social não é da ordem da preocupação ou da despreocupação, do interessante ou do desinteressante. O social está presente em todos os instantes de nossa existência, porque a existência do outro é uma referência permanente até para as minhas questões mais íntimas.
A materialidade da realidade diz respeito à estrutura de valores que orientam e privilegiam os modos de relação, o social, porque relação já quer dizer social. A palavra relação, para a Fenomenologia, só subsiste quando há uma referência clara ao social como tal. Assim, a materialidade estudada permite compreender o modo de ser dos indivíduos.
Além disso, fenomenologicamente, como os indivíduos e grupos articulam os valores sociais herdados e presentes, com suas demandas de relação social? Aí, as referências sociais são: preocupação com os aspectos éticos e de realização de um grupo humano ao qual pertencemos, e que, de algum modo, nos tocam ou nos dizem respeito.
Creio que as referências que a abordagem Sócio-histórica tem como relação a este aspecto, não diferem daquilo que eu compreendo como legítima e fundamental preocupação da Fenomenologia. O social não é algo que eu escolho. É preciso levá-lo em conta como uma dimensão absolutamente essencial na constituição da existência das pessoas, sejam elas grupos ou indivíduos.

2 - O que é essência do indivíduo? De que se constitui e qual o seu caráter de naturalidade ou materialidade?
Essência é a sensibilidade que homem tem para responder, de algum modo, ao que lhe vem ao encontro, do social, do mundo e de si mesmo. A essência do homem é sensibilidade para.
Isto quer dizer que o que caracteriza o homem como tal, não é nada a não ser sensibilidade para. A essência não é conteúdo. O homem não tem conteúdos, ele acolhe, elabora ou rejeita, conteúdos, até faz os outros receberem seus conteúdos, mas o que o caracteriza essencialmente é a sensibilidade para lidar com os conteúdos que lhe vêm ao encontro. Com alguns deles todos nós vamos nos familiarizar, nos identificar, muito mais como um movimento de apaziguamento da nossa angústia do que como uma identificação definitiva, porque todos sabemos que a nossa essência é disponibilidade para.
Mas disponibilidade para o quê? Disponibilidade para ser o espaço onde o sentido de tudo pode se mostrar. O homem é aquele cuja essência é disponibilidade para o sentido de todo o resto poder se mostrar, e é só com o homem como presença que o sentido se mostra.
O homem, portanto, é escravo do sentido do mundo, ele está a serviço disto, que é a única coisa que nos resta fazer de específico.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE: Se o homem está referido ao mundo, como ele pode se reconhecer?
Enquanto o homem vive referido ao mundo apenas no modo de ser da ocupação, ele só se reconhece como aquele que tem esta ou aquela tarefa. Se o estar referido ao mundo diz respeito a algo diferente da ocupação, algo diferente da distração, algo diferente de ter que dar conta do que lhe vem de imediato,se estar referido ao mundo é diferente disto, o homem pode então se reconhecer como aquele que vive a angústia de ter que dar conta de algo que nunca se revela definitivamente.
A noção de essência, durante muito tempo na nossa civilização, foi coincidente com a noção de substância. Mas a palavra essência quer dizer: qual é o modo próprio disto? Porque essência vem de essere, que quer dizer ser, um verbo, e substância é somente um modo substantivo de se compreender essência.
A essência do homem é tal que se mostra de maneira verdadeira e absoluta, mas não definitiva, em cada momento de sua existência. Cada ato meu é absolutamente meu, eu estou aqui sendo eu mesmo na minha essência, no meu modo e na minha presença com vocês.
Isso nos leva à questão do olhar fenomenológico, que é um aprofundamento daquilo que se mostra como se mostra.
Olhar para o profundo é se aprofundar no sentido próprio do que se mostra. O raso não é da coisa, porque ela se mostra como ela é na inteireza dela. É o nosso olhar que pode ser mais razo ou mais profundo. O olhar profundo é compreender o sentido do que se mostra.
Muitas vezes se confunde esse olhar com eu fazer, metodologicamente, uma enumeração do que eu vejo ou cair no relativismo. Eu diria que fazer, por exemplo, uma enumeração da frequência do comportamento é possível e diz respeito ao homem,mas diz respeito à dimensão do homem considerado como um sistema previsível, que o homem é também. Ao fazer contagem de frequência de comportamento, estou alcançando o homem na sua dimensão de entidade determinável.
O homem e´, nesse aspecto, aquele que, em cada instante da sua vida, vive de uma maneira absolutamente real o que lhe é determinado e que de alguma forma tem que lidar com isso.
O que quer dizer ter que lidar com isso? É ultrapassar a determinação? Não necessariamente. Se pensarmos na questão da Psicologia Hospitalar, na morte, na doença, temos que ultrapassar a doença que é uma dimensão nossa? Talvez ultrapassar a determinação seja, muitas vezes, acolher a minha finitude nessa existência.

A EQUIPE DE PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO PERGUNTA:
1 - Pensando na Psicologia Hospitalar e na sua necessidade de se defrontar com a questão do adoecimento humano, como a Fenomenologia considera os aspectos genéticos, hereditários ou biológicos ligados a aspectos existenciais?
Esses aspectos são as dimensões de determinação do homem. Como herdeiros ou cuidadores, nós nos vemos como estranhos para nós, com esses aspectos nos dizendo respeito. Essa estranheza é vivida porque esses aspectos nos trazem pertencimento: "Isto é teu!"
Não há uma maneira mais indubitável de nós dizermos algo a nosso respeito do que a nossa corporeidade. Talvez a expressão corporal seja o testemunho indubitável de uma urgência de sensibilização nossa. Quando caminhamos muito insensíveis ou cegos para conosco mesmos, talvez o contato mais rápido seja a doença, no sentido da corporeidade.
Além disso, na dimensão da doença, a imagem da doença é a morte, com toda a força que uma imagem tem. Muito mais do que uma metáfora, a doença não é como a morte, a doença é a morte. A doença não é uma metáfora da morte, ela é a presença da morte.
Isso é vivido por nós como imagem. E qual é o sentido de vivermos essa imagem com a doença? Qual é o sentido da nossa presença, que com a doença se mostra talvez pela primeira vez e de uma maneira indubitável? É a nossa finitude, finitude de presença e de possibilidades.
Clinicamente, a Fenomenologia não busca estimular, no contexto hospitalar, um movimento de superação da questão da doença. Busca escutar e estimular, no doente, um esforço de compreensão e resolução de sua existência a partir da doença. Essa seria a visão e a contribuição, no contexto clínico, da Fenomenologia. É acolher a doença como algo que me diz respeito, não só porque ela me acometeu, mas porque fala de mim, para mim e, a partir disto, eu vou obter novamente uma oportunidade de me colocar resolutamente em relação à minha pessoa. O que é que eu vim fazer aqui com os outros? Essa é a resolução da existência a partir da doença.
Há outro aspecto importante. A doença é também, neste contexto, uma expressão de sanidade. A doença é a expressão não só do impedimentode eu continuar sendo, mas principalmente um impedimento de eu continuar sendo como sempre fui. Ela não é apenas uma ameaça, talvez seja um convite para eu reconsiderar as direções eu tenho tomado na vida. É uma palavra surda, muda, mas tão intensa que não precisa dizer nada. Ela se torna nós mesmos, é a nossa relação conosco mesmos e faz com que nos voltemos para a nossa relação com a vida.
A doença não vem me propor algo. Eu me transformo nesse impedido. É muito radical, é a nossa palavra definitiva para nós mesmos.
Quando nos tornamos doentes, passa a haver um intercâmbio mais enriquecido entre as nossas possibilidades como homem e aquilo que realizamos na instantaneidade de nossa vida.
2 – Como a abordagem fenomenológica considera o processo de desenvolvimento humano?


Desenvolvimento supõe duas dimensões simultaneamente presentes em nós: a primeira é envolvimento, que é ser de um modo, eu sou deste modo; a outra dimensão é desligamento, viver, experimentar, ser um novo modo de ser.
Desenvolvimento humano é aprofundamento (envolvimento) e ampliação (desligamento) das questões existenciais de cada um. Portanto, para a Fenomenologia, desenvolvimento não quer dizer progresso, desenvolver-se não quer dizer ficar melhor, quer dizer aprofundar-se no modo próprio de ser e conseguir perceber as cruzes e as glórias deste modo de ser.
O outro modo de desenvolvimento humano é amadurecimento e superação de possibilidades existenciais. Com a percepção de que há um movimento de incorporação e transformação no desenvolvimento, o significado de desenvolvimento não pode ser confudido com progresso, melhoria das minhas possibilidades.
A EQUIPE DE PSICANÁLISE PERGUNTA:
1 – Como você descreveria o método ou a escuta daseinalalítica?
A palavra chave para essa questão é preocupação, como forma privilegiada do analista na relação de ser com o outro, o analisando.
Nosso trabalho como analistas é amadurecer em nós um modo de ser como pessoas, que tem como qualidade fundamental poder escutar verdadeiramente o outro e poder, nessa escuta, efetivamente estar com o outro, lembrando que cada um de nós tem as referências fundamentais da existência.
As referências fundamentais da existência são: ser e não ser, angústia e culpabilidade, ser no mundo, temporalidade e historicidade, e transcendência. A Fenomenologia busca iluminar o modo próprio de cada um poder ser e existir como humano, levando em conta essas reflexões.
Angústia quer dizer: sou eu, e somente eu, que vou ter que dar conta de mim mesmo, ninguém mais. Se alguém der conta de mim, o inferno se mostrará na sua expressão máxima.
Culpa ou culpabilidade não é sentimento de culpa. Eu sou aquele que tem que dar conta daquilo que me toca e, se me toca, eu vou responder. Culpabilidade é, portanto, o quanto eu fico em dívida com a minha sensibilidade para com o que se mostra. Culpa, ou culpabilidade, não é ter que dar respostas certas. É o sentimento de não estar dando respostas próprias, de não viver o que é o meu modo de responder.
Temporalidade e historicidade são outras referências. Temporalidade quer dizer o quanto eu consigo estar aqui presente, levando em conta dois aspectos simultaneamente: a finitude e a presença. Eu sou mortal e, portanto, quem eu sou agora é insuperável. Minha presença responde como companheira de minha finitude, conjuga-se com ela. Temporalidade nos remete à existência como ruptura, descontinuidade. Finitude e presença são ecos significativos da natureza instantânea de nossa existência. O instante é o convite irrecusável do meu existir como abertura para o novo e para a não retenção absoluta do já vivido.
Historicidade é a dimensão que revela como eu me aproprio da multiplicidade de instantes a que estou, necessariamente, submetido. É o caminho existencial que eu desenho, cujo o rosto identificável só se mostra no momento da angústia.
Transcendência é o modo como eu vivo de uma maneira significativa este instante que é tã concreto e direto em mim, isto é, que tipo de simbolização efetiva eu vivo dos instantes de agora. Transcendência é conseguir articular o infinito dos significados com os instantes aos quais nós estamos condenados. Nós não saímos nem dos instantes, nem da possibilidade de ultrapassá-los, através da significação. Transcendência é, portanto, um aprofundamento de sentido do vivido na simplicidade do instante.
A escuta daseinanalítica é uma maneira de você estar com o outro em que você escuta esse outro de uma maneira absolutamente verdadeira, voltada para o modo como ele dá conta destas dimensões. Cada um de nós, em cada ato, está dando conta dessas dimensões, está respondendo a elas. Trata-se de acompanhar como a pessoa está acolhendo estas determinações. Ela as aceita ou as rejeita? Ela realiza algum movimento em que a articulação, pertencimento e autonomia estã presentes? Estas são as faces, os modos de articular essas dimensões que nos caracterizam.
Sugiro, como olhar fenomenológico, que prestemos atenção aos simples e medíocres instantes em que somos. Eu nada serei se não pertencer a algo, e nada serei se não viver o eu mesmo. Como lidar com isso? Sendo eu mesmo no interior da familiaridade, eu mesmo no interior do já eternamente dado. Como é isto? Isto não pode ter uma resposta antecipada. É uma questão que vem ao nosso encontroe, na análise, nós vamos acompanhar o movimento de cada um e, ao fazê-lo de uma maneira íntima e próxima, estaremos oferecendo ao analisando a possibilidade dele, assegurado de si a partir do já vivido, poder se lançar, na maior proximidade possível de si mesmo, para um instante original e próprio.
Compreender o homem é compreender cada um como uma expressão absolutamente originall, irrepetível, de ser homem. Essa compreensão é necessária, mas não é suficiente. Além dela, é necessário acompanhar a particularidade histórica, factual da existência de cada um de nós. Porque no interior desta facticidade é que está sendo realizada a existência de cada um.
Na escuta daseinanalítica, não se trata de levar a pessoa a grandes significações gerais a respeito do homem, mas de viver significações no interior da simplicidade e factualidade da sua vida. A compreensão é um movimento absolutamente necessário para o nosso trabalho e é, no interior da existência concreta e simples de cada um, que ela vai poder ter uma repercussão, uma ressonância com consistência.
2 – Há algum tipo de preconnização em relação ao tempo da sessão? Duração relativamente fixa ou variável?
Vou dar uma imagem: "eu amo tanto você que viveria eternamente ao seu lado". Isto é uma imagem, é uma mentira factual, absoluta impossibilidade. O amor não é dissolução de si mesmo, é promoção de si mesmo com o outro.
Se o analista vive um amor pelo seu analisando, e amor quer dizer disponibilidade para, dentro das suas possibilidades, aprofundar-se com o analisando naquilo que ele busca, ele é um companheiro do analisando. Assim, há um tempo: cinquenta minutos, uma hora, uma hora e meia, duas horas, não importa, mas o tempo de encontro está dizendo que a minha disponibilidade é eterna com você enquanto estou com você, enquanto posso estar com você. Porque eu tenho também outras urgências como pessoa e estas urgências minhas têm a sua importância, o que não substitui aquelas que vivo com você. Eu amo você, com certeza, do modo que é o amor na sua versão mais fundamental: encantamento com aquele jeito de ser. Amar é isso, encantar-se com aquele jeito de ser.
Amar não é só um sentimento que me abre para o absolutamente original do outro, mas faz o outro descobrir o divino que ele é. Quem ama faz o outro perceber algo que ele nunca tinha percebido nele. É uma doação magnífica. E a nossa relação é mantida, sustentada por esse tipo de presença um para o outro.
A natureza de nossa presença é uma proposta de relação que o outro vai responder como der, puder, quiser. O tempo é uma expressão claríssima da nossa exsitência uns com os outros: tanto o meu amor por você está presente, como este amor não é a única dimensão com a qual eu sou na vida.
E eu diria que esta expressão do amor na relação do trabalho analítico não é uma particularidade restritiva do amar, é o amar na busca de sua maior purificação. Os nossos outros modos de amar uns aos outros é que ainda podem se confundir com necessidades. Não estou dizendo que no amar não há necessidades, mas não se resume a isto. O amar tem a simplicidade da graça,é de graça, amar é promover.
3 – A nosografia desempenharia algum papel na clínica daseinanalítica?
Se todos os homens são modos de ser, há uma possibilidade de estabelecer uma fronteira entre sanidade e doença? Se todos os modos de ser do homem são legítimos, e disto a Fenomenologia não abre mão jamais, como é possível estabelecer uma fronteira entre sanidade e doença? Se todos os homens são modos de ser, a Fenomenologia está considerando a doença como expressão direta da condição existencial. Mais do que distinguir a doença da não-doença, aproxima a doença da exsitência. Doença não é negação da existência, é uma possibilidade da existência.
Não se trata de estabelecer uma nova classificação nosológica. Trata-se de compreender o nosológico.
O único nosológico fundamental de todos nós é a esquizofrenia. O resto são variações. A esquizofrenia é expressão direta da condição humana. Não é negação, é expressão. Compreendemos esquizofrenia como uma luta sem pele, em carne viva, entre ser e não ser.
Isto é uma escolha em nós, viver a esquizofrenia? Com certeza, não. Ela vem ao nosso encontro quando algo que é tão simples e tão fundamental nos falta. O que faltaria a nós e que poderia fundamentar o nosso modo de ser esquizofrênico? Faltaria o outro. Como acontece? Quando aquelas pessoas que lhe dizem respeito em diferentes momentos da vida – podem ser os pais num certo momento, mas não necessariamente o são – estas pessoas não sabem o que fazer com a criança que veio. Têm simultaneamente, no mesmo gesto, rejeição e acolhimento, ódio e amor. O problema do esquizofrênico, que é o nosso problema como homens, não é viver ser o rejeitado. Na vivência esquizofrênica eu cheguei e ninguém efetivamente me percebeu nem me acolheu como eu sou. Não pude ter oportunidade de ocupar um lugar nesse mundo.
Na esquizofrenia eu vivo a angústia carnal de jamais saber quem eu sou e qual é o meu lugar no mundo. Mesmo que seja o dos malditos, eu, sendo maldito, ainda tenho um lugar. Mas a esquizofrenia é a absoluta incerteza. A vivência esquizofrênica é a plena explosão da angústia de ter que ser, sem poder ser. Todos nós vivemos grandes menntiras afetivas na nossa vida, mas a estrutura de história da relação de todos nós aqui não é a esquizofrenogênica, não tem esse modo no qual a ambivalência é o que predomina na relação.
É necessário compreender a esquizofrenia como uma possibilidade dos homens, de todos nós, em relação à qual o que estamos vivendo enquanto doença é, simultaneamente, um chamado às nossas possibilidades e uma limitação da nossa existência, um incômodo de continuar sendo como sou. Por exemplo, o modo obsessivo-compulsivo de ser pode ser considerado um aspecto nosológico? Pode, mas ao mesmo tempo pode ser visto como o único modo que aquela pessoa encontrou de incluir a ordem na absoluta vitalidade da vida. O obsessivo-compulsivo vive, com a maior intensidade possível, a explosão da vida. Por isso ele é tão certinho: se ele relaxar um instante, ele se desorganiza.
O obsessivo-compulsivo é aquele que lida com a questão da organização de um lado, e a explosão de outro, como dois aspectos que ainda não puderam entrar em harmonia. Ele só pode lidar com isso de uma maneira antecipadamente preventiva, para tentar conter a vitalidade da sua existência.

PERGUNTA DE UM PARTICIPANTE:
Utilizando a leitura de "O Paciente Psiquiátrico" de Van den Berg: por que a Psicologia Fenomenológica nega a necessidade dos conceitos psicanalíticos, se ela se utiliza deles?

A Fenomenologia não considera os conceitos psicanalíticos como contestáveis. Afirma, aliás: a conceituação psicanalítica é absolutamente fidedigna ao que o homem vive. Não se trata, portanto, de contrapor à conceituação psicanalítica um outro conjunto de conceeitos que abarcaria melhor o que vive o homem. Os conceitos psicanalíticos como transferência, conversão e projeção são expressões, cada um deles, de dimensões existenciais.
A transferência, num olhar fenomenológico, é o modo pelo qual eu vivo a relação ser-com-o-outro. Ele é verdadeira? Com certeza. Chama-se transferência porque é mais uma ocasião de eu viver a minha concretude como pessoa para alguém. Eu quero ser real para alguém, e eu vivo isso no meu modo próprio de ser, que não é aquele ajustado, já confortavelmente instalado nas demandas sociais. São os meus problemas, as minhas faltas, os meus ódios, as minhas raivas, as minhas tristezas e as minhas saudades. Eu vivo o meu modo próprio de ser na especificidade desses sentimentos.
Então, transferência não é uma demanda equivocada, é um "pelo amor de Deus, olhe para mim". Nesse sentido, a transferência é um conceito que nasceu na Psicanálise e que tem a sutileza de perceber a importância, no contexto do trabalho, da relação transferencial. Porque já não se trata mais de um cliente, mas de você, que está aqui comigo como você mesmo.
A resposta do analista para a demanda que o analisando leva até ele não é corresponder como complemento, é compreender a legitimidade da sua demanda. Essa é a articulação que a Fenomenologia e a Psicanálise podem ter: a legitimidade da identificação do conceito e uma compreensão deste conceito como uma modalidade de realização da dimensão existencial.
Assim também a conversão para a corporeidade, para aquilo que se chama de sintoma. O que é isso, sob o ponto de vista fenomenológico-existencial? É a objetivação, no seu sentido mais puro, porque não há nada mais próximo e mais distantede mim do que o meu corpo. Ele fala sendo, ele não dialoga comigo, ele não responde a mim. Quando sou de um modo, ele expressa esse meu poder ser, meu modo de ser, do modo próprio dele.
Conversão diz respeito, para a Fenomenologia, a uma objetivação da nossa existência. O grau de complexidade de uma conversão equivale a eu poder falar com uma montanha. É difícil, eu preciso entrar no espírito da montanha, do corpo, do fígado, das pernas. Não é fazer grandes aprofundamentos, é compreender aquilo que se mostra: estou doente das pernas, não consigo andar. Quero andar e não consigo. O que o andar mostra diretamente? Andar é abandonar. Mas o que é o abandonar, o tchau, o adeus? É o ir, sair da eternidade do lugar e do instante. Para ter um olhar para isso é preciso olhar para o andar no sentido próprio dele.
Isso não é uma interpretação para além daquilo que o andar mostra. Existe uma briga entre Fenomenologia e não-Fenomenologia: "A Fenomenologia não interpreta." "Como não Quando você fala, isso não é uma interpretação?" Eu respondo: não, não é. Se interpretar é substituir uma coisa por outra, não é. Falar que o andar é abandono é falar do andar ele mesmo.
Falta agora a projeção. O que quer dizer a projeção, fenomenologicamente? Projeção é a expressão direta do que é meu e do qual eu ainda não tomei posse, mas que está amadurecendo em mim. Eu me vivo nos outros. É por isso que eu projeto algumas coisas e outras não, vivo a projeção de algumas coisas e de outras não. O amadurecimento de possibilidades minhas ainda não pôde ser vivido em mim como dizendo respeito a mim.
Como analista, eu convido o paciente a perceber em si aquilo que ele aponta em mim, ou aponta nos outros ou nas coisas.
Para terminar, quero indicar a absoluta necessidade de parceria da Fenomenologia com a Psicologia.
A Fenomenologia compreende a Psicologia como uma ciência que precisa ter a existência como permanente referência, sem a qual ela se transforma num mero jogo de curiosidades conceituais.
A Fenomenologia convida a uma articulação aberta, expressa entre a dimensão essencial e a dimensão factual a todo o momento. Ela articula o ôntico e o ontológico, permanentemente presentes.
O ôntico é aquilo que se mostra como se mostra, numa certa forma. O ontológico é o sentido disto que se mostra. O ontológico está aqui, sempre está no ôntico. O ontológico não é uma outra realidade. É o sentido daquilo que se mostra.
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O MUNDO É A CASA DO HOMEM - Nichan Dichtchekenian

Palestra Nichan Dichtchekenian - 29/09/2006
O MUNDO É A CASA DO HOMEM

Há dois motivos principais que me levam a fazer esta apresentação:
O primeiro é fazer um esclarecimento e uma defesa da Fenomenologia, buscando, este esclarecimento, eliminar a compreensão equivocada e distorcida da Fenomenologia como idealista e subjetivista.
O segundo é trazer para nós um pouco de uma Fenomenologia conhecida pobremente no Brasil, entre os psicólogos, que é a realizada por Gaston Bachelard, filósofo francês. Quero chamar a nossa atenção para uma característica do trabalho fenomenológico de Bachelard que é a riqueza de imagens poéticas, ao invés de privilegiar um rigor de linguagem.

Por estes dois motivos, escolhi como tema e fonte primordial da minha comunicação de hoje a intimidade e o mundo. Pretendo comentar que uma relação que se estabeleça entre intimidade e mundo não é, absolutamente a de exclusão entre ambos, como um olhar não-fenomenológico poderia apontar.
A intimidade não consiste em um movimento de fechamento do homem em relação ao mundo, nem a presença no mundo resulta na sua perdição.
A Fenomenologia se propôe a habitar as coisas, elas mesmas.
Habitá-las é manter-se numa relação de contemplação das coisas. A contemplação é um habitar as coisas, e fazer com que, através da observação, você vá cada vez mais se aproximando da intimidade delas, e percebendo o modo mais próprio delas serem.

A realidade, ela mesma, já nos é dada; desde o momento em que nascemos, nós estamos em contato com a realidade. A realidade mostra diferentes facetas dela de acordo com diferentes modos de nós estarmos situados com ela.
Isso é poucas vezes ressaltado nas colocações fenomenológicas: o homem vive, originalmente, no mundo, neste mundo que a Fenomenologia constata que é o lugar onde o homem é, e ao qual ele está destinado.
Há uma familiaridade minha com o mundo. Eu pertenço ao mundo e o mundo pertence a mim.
O mundo me diz respeito. Eu habito o mundo. O lugar em que eu estou o tempo todo, em que a minha própria intimidade está presente é o mundo.
O mundo é a minha casa.

A concepção científica analítica, que predomina até hoje, pretende dar uma visão de homem como se ele fosse alguma coisa em si mesma, isolada do mundo. Como se a sua possibilidade de ser homem não estivesse, desde o primeiro instante de sua existência, voltada para o mundo; como se o homem fosse uma máquina com uma série de características e que, em algum momento, essas características de ser homem entrassem em contato com o mundo.
O que a Fenomenologia coloca é que, desde o primeiro instante, o homem é contato com o mundo, é destinado a ele.
O contato que eu tenho com o mundo não é um contato superficial que mantém o mundo verdadeiro na obscuridade. O que eu toco e vejo é o mundo na sua versão própria e verdadeira, embora não única. Nós temos acesso imediato ao mundo, porque somos nele, e o que se mostra ao homem do mundo, é o mundo mesmo.

Nós somos parte do mundo, somos do mundo. Ao mesmo tempo, nós não somos simplesmente uma coisa do mundo, nós não paramos ai. Nós somos aquele que mantém as coisas em redor de si. Nós não estabelecemos uma relação ao acaso com as coisas do mundo. Nós somos um centro a partir do qual as coisas estão ao redor.
Somos uma presença no mundo, algo no mundo, que tem uma característica: nós estabelecemos uma relação com as coisas de tal modo que as coisas estão ao nosso redor, somos um centro irradiador de sentido, em que nós e as coisas do mundo constituímos uma paisagem plena de sentido.
Nós é que constiuímos a paisagem: um pedaço do mundo que tem uma certa ordem e essa ordem já é o homem viver um sentido que as coisas têm. Esse sentido é do mundo, mas é aberto e descoberto pelo homem.
O homem não vem de outro mundo, ele é deste mundo, e todos os poderes dele são deste mundo, nasceram das coisas do mundo. Todas as possibilidades do homem são nascidas entre as coisas do mundo, como possibilidades de desdobramento do mundo.
Isso se constitui numa integração nossa com o mundo, que atribui um sentido próprio à nossa presença, mas também nos fala: "O lugar de onde você vem, ao qual você pertence, é o mundo. Você não está aqui como um turista privilegiado; você nasceu do mundo, você é dele, e esses poderes que você tem, por ser homem, são poderes que o mundo ofereceu a você."

Na obra "A Poética do Espaço" de Bachelard, a casa é o elemento que conjuga, articula a intimidade com o mundo.
A casa oferece ao homem a segurança da restauração, a segurança do repouso, que não são estados privilegiados e típicos de individualidade, de enclausuramento de cada homem. Fazem parte, sim, dessa individualidade, mas são um dos momentos em que o próprio do homem é cultivado e este momento, em que a intimidade é reencontrada no interior de uma casa, confere ao homem confiança e disponibilidade para ele ser sensível aos apelos do mundo. Sim, porque só um homem feliz na sua intimidade reencontrada, pode sair de casa e ir a encontro daquilo que há no mundo. Temos, então, uma primeira constatação: a existência de um homem que se enclausura em casa é a existência de um homem que está em busca do bem-estar, mas que ainda não o encontrou.
Toda felicidade leva o homem a entrar em contato com aquilo que não é ele. A felicidade não enclausura o homem em si mesmo.
Assim, o mundo não é uma instância penosa e necessária para a qual o homem se dirige e onde ele encontra a provisão de suas necessidades. Ter essa relação com o mundo é ser infeliz no mundo e na casa. Pelo contrário, o mundo é o lugar que o homem habita ativamente após ter repousado e se refeito na casa.
A estranheza que o mundo nos provoca, suas ondas de agressão e de hostilidade, são vividas por nós porque estamos enfraquecidos e vulneráveis, isto é, porque não estamos repousados nem refeitos - estamos longe de nós.
Se dizemos que o mundo é o destino do homem feliz, feliz porque disponível para, também queremos dizer que há correspondência entre aquilo que cada homem considera como sendo o seu mais próprio, o seu íntimo, e a imensidão do mundo.
O homem vive espontaneamente uma compreensão das imensidões do mundo e o aprofundamento da compreensão de si. Ele vive uma familiaridade com o imenso que o mundo é, ao mesmo tempo que vive um aprofundamento da compreensão de si.

Um exemplo de imensidão do mundo é a planície. No trabalho realizado por Bachelard com a imagem da planície, ele se vale da descrição feita pelo escritor Henri Bosco a respeito da planície e de sua relação imediata com a própria intimidade.
Diz Bosco: "Na planície, estou sempre alhures, num alhures flutuante, fluido. Longamente ausente de mim mesmo, sem estr presente em parte alguma, atribuo com demasiada facilidade a inconsistência de meus devaneios aos espaços ilimitados que os favorecem."
Bachelard se refere também a uma afirmação de Hilke a respeito da planície. Diz Hilke: "A planície é o sentimento que nos faz crescer." Essas duas vivências da planície, a da dispersão de mim mesmo oferecida pelas palavras de Bosco e da concentração, também de mim mesmo apontada por Hilke são modos de ser e modos de estar no mundo, muito diferentes de um ser e estar no mundo convencional e do senso comum onde, (no convencional) a planície é um mundo simplificado do modo de ser do homem convencional. Então diremos que há uma simultaneidade entre o despertar do homem que o mundo oferece através de suas imensidões e a disponibilidade de espírito do homem que torna possível o aparecimento da imensidão do mundo.

A casa é o eixo que articula em si mesmo o mundo e o homem. A casa é essa presença privilegiada na existência que acolhe o homem no que ela tem de abrigo e proteção. O abrigo e a proteção que a casa é são uma doação generosa do mundo através da casa. Então,reiterando,o abrigo e a proteção não são da casa, é o mundo que pode se tornar abrigo e proteção na figura da casa, para o homem que os busca encolhendo-se. Aliás, ao se encolher num canto, o homem, ele já cria as primeiras paredes da casa. Esta minha insistência em designar a casa como um pedaço do mundo, advém do fato existencialmente relevante de que a casa é uma dimensão do mundo que concretiza o pertencimento do homem, e nós podemos dizer que esse pertencimento é vivido como familiaridade e aconchego na medida em que a casa, por ser o mundo circunscrito acolhe a necessidade de repouso do homem. Esse repouso não pode ser compreendido por nós apenas como uma suspensão da nossa maneira ativa de estar no mundo. Estar em repouso para Bachelard é estar simultaneamente no abrigo do descanso e no alerta da sensibilidade extrema, pois, só a segurança de poder serenamente ser, que o homem vive ao repousar na casa, o torna naturalmente aberto a se sensibilizar com o mundo. Nesse ponto que fazer uma observação, reiterá-la, no sentido de apontar que o destino do homem feliz e saudável não é o seu enclausuramento, mas sim uma disponibilidade, quase juvenil, de se sensibilizar pela presença do mundo e dos outros. Esse movimento de recolhimento do homem para alcançar o repouso não é algo que se dê e seja compreensível apenas na mecânica dos desgastes de energia vividos pelo homem. O repouso na verdade, podemos dizer assim, é o destino primordial do homem, no sentido que torna possível, de um ladoa reafirmação de si mesmo e simultanemente, o despertar de uma disponibilidade. 

O repouso é, portanto, um valor existencial que se mostra como um deslocamento inevitável, quase como a força da gravidade, em direção ao encontro do homem consigo mesmo, com sua intimidade. Mas o que o homem vai encontrar ai, ao se aninhar em sua intimidade?
Imagens? Sensações? Sentimentos? Recordações?

Sim, sem dúvida. Mas, cada um desses aspectos que o repouso íntimo nos oferece é eco de instantes da existência em que o estar do homem com os outros aconteceu. É a partir do meu repouso que eu tenho condições de, ao me voltar para o que eu vivi me afastar desse cenário de envolvimento e ao realizar isso, o afastamento, recolher em mim o sentido desses instantes vividos com os outros. O sentido desses instantes vividos não é, pura e simplesmente, o registro das minhas possibilidades, nas quais eu mergulhei embriagado pela vida. É sim, a constatação de uma autoria, de um encarregar-se na solidão e dar conta da própria existência. Esse encarregar-me de mim me vitaliza e me alimenta, e realizar a apropriação de mim mesmo não é o ato final do meu existir, não é não. Há, portanto, uma relação absolutamente viva, ardente, do homem com o mundo. Essa relação ardente é o que faz o homem ser no mundo e se encontrar.


Nichan Dichtchekenian é psicoterapeuta e professor de Psicologia Fenomenológica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É também meu pai.

Existential-Phenomenological Philosophy - Rolf Von Eckartsberg (português+english)

Filosofia Fenomenológica-Existencial
(...) Como o criador da filosofia fenomenológica, Husserl articulou a idéia central de que a consciência é intencional, isto é, que a consciência humana está sempre e essencialmente orientada em direção a um mundo de significado emergente. Consciência é sempre "de algo". Ele argumenta que as experiências se constituem através da consciência e assim seria possível estudá-la rigorosamente e sistematicamente na base aquilo que aparece para a consciência - isto é, sua natureza fenomenal - quando um método apropriado de reflexão - ou seja, fenomenologia - seja aplicado. Além da explicação das experiências, que Husserl considera ser uma função da psicologia, também seria possível refletir sobre e articular a estrutura mais essencial da consciência, ou seja, fenômeno - como a intencionalidade , temporalidade, espacialidade, corporeidade, percepção, cognição e intersubjetividade, como fez de fato em Ideias (Husserl, 1962), e outros trabalhos posteriores. Como uma filosofia, fenomenologia se tornou o estudo reflexivo e explicativo das estruturas operativas e temáticas da consciência, ou seja, primariamente um método filosófico de explicar o significado do fenômeno da consciência.
A metodologia de Husserl começou com a "redução fenomenológica", ou "epoché", que envolve a tentaviva de se colocar todas as verdades sobre o assunto a ser estudado em suspensão, "entre parêntesis". Como apontado por Giorgi (1981), proceder sem este passo ao refletir sobre a experiência pessoal permite que se ocorra a "falácia-psicológica", por assim dizer, a probabilidade de que tais experiências possam ser julgadas através de vários preconceitos, desejos, vontades, motivos, valores, e outras influências. Foi dessa predisposição da "atitude natural" sem crítica , que Husserl quis se libertar para ver determinado assunto de uma posição o mais livre de pressuposições possível. Apenas quando se pôe entre parêntesis ou suspende-se tais preconceitos é que a atitude natural dá espaço a uma "atitude fenomenológica" mais disciplinada, onde é possível capturar estruturas essenciais da maneira como elas aparecem. Giorgi (1981, p. 82) descreve este processo:
Pôr entre parêntesis significa que se retira da mente tudo o que se sabe sobre um fenômeno ou evento, para que se possa descrever precisamente como ele é experienciado ... Husserl colocou a idéia da redução fenomenológica, que após pôr entre parêntesis o conhecimento sobre as coisas quer dizer que se está presente a todas as experiências em termos dos significados que elas contém para a consciência, ao invés de apenas aquilo que existe.
A verdade da atitude fenomenológica assim implica em não descrever algo em termos do que nós já sabemos de antemão ou pressumimos saber, mas em descrever aquilo que se apresenta como é para a nossa consciência exatamente como ela é. Esse movimento é fortemente formulado na frase "De volta às coisas mesmas !"
Segundo esta frase, as “coisas” para as quais a abordagem fenomenológica vai de encontro não são apenas “objetos” em si (no sentido realista ingênuo), mas sim no seu significado, dado pela percepção de uma multiplicidade de perspectivas e contextos. Sem mais suposições, o fenomenólogo põe “em suspensão” sua crença existencial, isto é deixa de assumir que o objeto existe separado da consciência que o percebe. Quando se suspende tal crença, o que fica é o fenômeno, a “pura aparência” que se apresenta à consciência. Por exemplo, quando eu como uma maçã, eu realmente a destruo enquanto objeto físico, mas ainda resta o fenômeno. De vários aspectos – que são, sua vermelhidão, sua substância, sua redondeza, assim como outras propriedades – podem se manter como objetos de contemplação para mim, como o que Husserl identificou tecnicamente como noema.

Alguns fenomenólogos questionam a possibilidade de se colocar em suspensão todas as características de uma maçã (ou de qualquer outro objeto de reflexão), entre eles Merleau-Ponty. De acordo com ele, um ponto de total ausência de suposições não pode ser garantido, porque enquanto deixamos de fora uma suposição, encobrimos muitas outras debaixo desta. Ele acreditava que nossos interesses vitais e envolvimentos com pessoas e coisas no mundo são uma característica fundamental, e não vão se permitir serem totalmente postas de lado. Por outro lado, considerava que o objetivo da redução fenomenológica era extremamente válido, ao encobrirmos nossas suposições e interrogá-las, podemos realmente avançar no entendimento do fenômeno em consideração.

As questões que guiam a pesquisa em fenomenologia filosófica seriam: Qual é a essência de tal fenômeno? Quais as condições de possibilidade para que o significado possa se constituir na consciência humana? Por causa da relação da fenomenologia com a intuição das essências, Husserl chamava-a de “ciência eidética”. Como qualquer ciência, buscava obter conhecimento duradouro e universalmente objetivo, separar o arbitrário e acidental do necessário e permanente, isto é, o essencial. Para conseguir tal coisa, Husserl (1962) exagerou o processo de põr entre parêntesis com um procedimento que ele denominou variação imaginativa. Com esse método, o objeto noemático tinha que ser variado pela imaginação, alterando-se seus constituintes para testar os limites da manutenção da sua identidade, e descobrir suas variantes.
Aplicando isso com a nossa maçã, começaríamos modificando seus vários aspectos em nossa imaginação, criando assim vários tipos de maçãs imaginárias. Enquanto algumas sejam vermelhas, como a que foi comida, outras seriam verdes e até mesmo uma maçã cor-de-rosa seria imaginada. Mesmo que não existam maçãs cor-de-rosa, isso é irrelevante, pois o que queremos descobrir é a estrutura essencial constituinte de uma maçã, e para tal temos de fazer aproximações. Podemos perceber que vermelhidão não é essencialmente das maçãs, pois a casca pode ser de variadas cores. Com trabalho e aprofundamento suficientes de variação imaginária, é possível delimitar a essência de um fenômeno como uma maçã, ou de qualquer outro fenômeno.

Com o tempo, os aspectos do fenômeno que podem ser eliminados e os que não podem ser eliminados sem alterar sua estrutura básica se tornarão evidentes. Como Gurwitsch (1964, p.192) escreveu:


“Através do processo de livre variação, essas estruturas determinam limites onde livres variações devem operar para tornar possível exemplos da classe em discussão. Esses não-variantes definem a essência ou eidos de tal classe, seja ele um eidos regional ou subordinado. Eles especificam as condições necessárias onde cada indivíduo da classe pode estar de acordo com um possível indivíduo desta classe.”


Husserl empregou a redução fenomenológica e a variação imaginativa livre para fins estritamente filosóficos. Ainda assim, ele acreditava que tais procedimentos poderiam ser aplicados em outras atividades, e delimitou alguns campos de atuação. Uma das maiores preocupações são as distinções que ele fez entre fenomenologia e psicologia, em três domínios de investigação. Como resumiu Spielgelberg (1960, p.152):


  • Fenomenologia pura é o estudo das estruturas essenciais da consciência, incluindo seu ego-eu, suas ações e seus conteúdos – ainda que não limitados a fenômenos psicológicos – a partir da completa suspensão das crenças existenciais.

  • Psicologia fenomenológica é o estudo dos tipos fundamentais de fenômeno psicológico nos seus aspectos meramente subjetivos, sem incluir suas conexões no contexto objetivo do organismo psicológico.

  • Psicologia empírica é descritiva e o estudo genético das entidades físicas em todos os seus aspectos como parte ou parcela do organismo psicofísico: assim como suas formas são uma mera parcela do estudo do homem, isto é, da antropologia.

Edmund Husserl (1859 – 1938) redefiniu a Fenomenologia primeiramente como um tipo de psicologia descritiva a depois como uma disciplina eidética básica e epistemológica para estudar essências. Ele é conhecido como o "pai" da Fenomenologia.
Eidos significa imagem ou forma. Eidético vem do grego eidetikos relacionado à imagem.

Existential-Phenomenological Philosophy
(...) As the originator of philosophical phenomenology, Husserl articulated the central insight that consciousness is intentional , that is, that human consciousness is always and essentially oriented toward a world of emergent meaning. Consciousness is always "of something". He argued that experiences are constitued by consciousness and thus could be rigorously and sistematically studied on the basis of their appearences to consciousness - that is, their pheonomenal nature - when as appropriate method of reflection - that is, phenomenology - had been worked out. Besides the explication of experiences, which Husserl considered to be a pshychological project, it would also be possible to reflect upon and articulate the most essential structures of consciousness - that is, phenomena - such as intentionality, temporality, spatiality, corporeality, perception, cognition, and intersubjectivity, as he in fact did in Ideas (Husserl, 1962), and other later works. As philosophy, phenomenology had thus become the reflective study and explication of the operative and thematic structures of consciousness, that is, primarily a philosophical method of explicating the meaning of the phenomena of consciousness.
Husserl´s methodology was to begin with the "phenomenological reduction", or "epoche", which involved the attempt to put all of one´s assumptions about the matter being studied into abeyance, to "bracket" them. As Giorgi (1981), pointed out, to proceed without this step when reflecting upon personal experience leaves one to open to the "psychologist falacy," namely, the likelihood that one´s judgement about such experiences will be biased by various preconceptions, wishes, motives, values, and other influences. It was just this bias of one´s uncritical "natural attitude" that Husserl wished to free himself fomr, in order to view a given topic from a position as free of presuppositions as possible. Only when the bracketing or suspending of such preconceptions had been achieved was the natural attitude said to give way to more disciplined "phenomenological attitude" from which one could grasp essential strutures as they themselves appear. As Giorgi (1981, p.82) describes this process:
Bracketing means that one puts out of mind all that one knows about phenomenon or event in order to describe precisely how one experiences it ... Husserl introduced the idea of the phenomenological reduction, which after bracketing of knowledge about things means that one is present to all that one experiences in terms of the meanings that they hold out of for consciousness rather than as simple existents.

The assumption of the phenomenological attitude thus implies that we do not describe something in terms of what we already know or presume to know about it, but rather that we describe that which presents itself to our awareness exactly as it presents itself. This movement is crisply formulated in the phenomenological imperative : "Back to the things themselves !"

By this dictum, the "things" toward which the phenomenological gaze struggles are no longer "objects" as such (in the sense of naive realism), but rather their meaning, as given perceptually through a multiplicity of perspectival views and contexts. Along with other presuppositions, the phenomenologist puts his or her existential belief "out of action", that is dispenses with the belief the object exist in and of themselves, apart from a consciousness that perceives them. When this belief is suspended, what remains is the phenomenon, the "pure appearence" that presents itself to consciousness. For example, when I eat an apple, I effectivelly destroy it as a physical object, and yet it remains as a phenomenon. Its various perspectival views - that is, its redness, its juiciness, its roundness, and its other properties - can remain as a matter of contemplation for me, as what Husserl identified technically as noema.

Whether or not it is possible to put into abeyance all of one´s presuppositions about an apple (or any other item of reflection) is questioned by some existential-phenomenologists, among them Merleau-Ponty. According to him, a totally presuppositionless vantage point cannot be secured, because as we put one presupposition out of action, we uncover more hidden ones beneath it. He believed that our vital interests and existential involvement with people and things in the world are of a fundamental character and will not allow themselves to be entirely undercut. Nevertheless, he considered the aim of the movement of the phenomenological reduction to be an extremely fruitful one, for by uncovering our presuppositions and interrogating them, we can clearly advance our understanding of the phenomenon under consideration.

The questions that guide research of philosophical phenomenology would be: What is the essence of this phenomenon? What are te conditions of possibility for the constitution of meaning by human consciousness? Because phenomenology had to do with the intuition of essences, Husserl sometimes called it an "eidetic science." Like any science, it aimed to provide lasting and objective-universal knowledge, to separate the arbitrary and accidental from the necessary and the permanent, that is, the essential. To accomplish this aim, Husserl (1962) augmented the process of phenomenological bracketing with a procedure he called free imaginative variation. With this method, the noematic objetc was to be varied in imagination by altering its constituents in order to test the limits within which it retained its identify, so as to discover its variants. Applying this to our earlier example of the apple, one would begin by modifying its various aspects in our imagination, so as to engender a manifold of imaginary apples. Although some will be red, like the one that was eaten, others would be green, and even a purple apple could be imagined. That we don´t find purple apples in actual experience is irrelevant at this stage, for what we want to discover is the essential structure and the essential constituents of an apple, and to do so we need to consider the possible alongside the actual. Already we can see that redness does not belong essentially to apples, although a skin may be any of various colors does.
In principle, with a sufficiently throughgoing and deep-reaching imaginary variation, it should be possible to delimit the essence of a phenomenon such as our apple, or of a phenomenon of any other sort. Eventually, those aspects of the phenomenon that could be and could be not eliminated without altering its basic strutture would become evident. As Gurwitsch (1964, p.192) wrote:
"By means of the process of free variation, these strutures prove variant by determining limits within which free variations must operate in order to yield possible examples of the class under discussion. These invariants define the essence or eidos of this class, either a regional or a subordinate eidos. They specify the necessary conditions to which every specimen of the class must conform to be a possible specimen of this class."
In the main effort of his work, Husserl employed the phenomenological reduction and free imaginary variation for strictly philosophical pursuits. Nevertheless, he believed these procedures could be applied to other tasks, ad he delimited some relevant domains of inquiry. Of the greatest concern to us are the distinctions he rovided between phenomenology and psychology, which were conceived in terms of three separate and necessary domains of investigation. As summarized by Spiegelberg (1960, p.152):
Pure phenomenology is the study of the essential structures of consciousness comprising its ego-subject, its acts, and its contents - hence not limited to psychological phenomena - camed out with complete suspension of existential beliefs.
Phenomenological psychology is the study of the fundamental types of psychological phenomena in their subjective aspects only, regardless of their embeddedness in the objective context of a psycological organism.
Empirical psychology is descriptive and genetic study of psychical entities in all their aspects as part and parcel of psychophysical organism : as such it forms a mere part of the study of man, that is, of anthropology.
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Extraído de / From : Phenomenological Inquiry in Psychology-Existential and Transpersonal Dimensions (edited by Ron Valle) - Plenum
Edmund Husserl (1859 – 1938) redefined phenomenology at first as a kind of descriptive psychology and later as an epistemological, foundational eidetic discipline to study essences. He is known as a "father" of phenomenology.
The word eidetic comes from the Greek word είδος (eidos), which means "image" or "form".